quinta-feira, 30 de junho de 2011

O homem que dirigia plateias

Publicado no site da revista Alfa em abril de 2011
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Alfred Hitchcock saiu da vida para virar uma marca. E de qualidade. No dia 29 de abril faz 31 anos que o grande mestre do suspense (não do terror, como alguns dizem) faleceu aos 80 anos de idade. Hitch inovou na maneira de fazer as pessoas suarem frio e agirem como ‘voyeurs’ dos acontecimentos, desenvolveu técnicas cinematográficas de vanguarda e acabou inspirando toda uma geração de cineastas famosos, entre eles François Trufaut que o entrevistou e transformou o trabalho em um belo, ótimo e indispensável livro.


Hitch foi o grande explorador do ‘MacGuffin’, um termo da indústria cinematográfica que resume o motivo pelos quais os personagens de um filme agem durante a história, e que, na grande maioria dos casos, perde completamente o significado na trama. Por exemplo, em Ronin de Frankenheimer, o MacGuffin é a famosa pasta prata que todos querem pegar. O filme acaba e não sabemos o que havia lá dentro. Em Avatar, o MacGuffin é o mineral no planeta. Com o MacGuffin, Hitchcock conseguia conduzir a plateia e supreendê-la de repente. Veja o caso de Psicose (1960). A trama inicial do filme, com Janet Leigh roubando o dinheiro do chefe e fugindo, acaba subitamente quando é morta no chuveiro. Quando o filme termina, você nem está mais pensando na grana. Já em Um Corpo que Cai, considerado pela crítica especializada como o melhor filme dele, o MacGuffin muda à medida que a história vai acontecendo, da vertigem para a investigação de um caso banal, para depois se tornar a obsessão do personagem principal.

O mestre também adorava trabalhar com o conceito de “homem errado”. Explicando, em grande parte dos seus filmes, alguém inocente caia de gaiato ou era confundido com outra pessoa, e se via em uma trama que atentava à sua própria vida. Foi assim em Pacto Sinistro de 1951 quando dois estranhos combinam de cada um matar uma pessoa para o outro e a brincadeira vai longe demais, em Intriga Internacional onde Cary Grant (um dos atores favoritos do diretor) é confundido com um agente secreto, O Homem que sabia demais com James Stewart e família sendo envolvidos em um plano de assassinato, A Tortura do Silêncio, onde  Monty Cliff é um padre acusado de assassinato sendo que o assassino confessou o crime a ele, mas no confessionário (o que o impede de falar à polícia) e, obviamente, O Homem Errado com Henry Fonda sendo acusado de um crime que não cometeu.

Outro grande mote de seus filmes era a suspeita ou será que aquele cara normal não é um psicopata? Em The Lodger de 1927, uma senhoria desconfia que seu locatário é um assassino serial. Já em Suspeita de 1941, Joan Fontaine ascha que seu marido, Cary Grant, quer matá-la. No sensacional Janela Indiscreta, Jimmy Stewart e Grace Kelly (lindíssima) vigiam o apartamento do vizinho de frente, suspeito de ter matado a esposa e em A Sombra de uma Dúvida, o filme preferido de Sir Alfred, era o sofisticado tio de Teresa Wright ser a bola da vez, podendo ser um matador de viúvas.

Hitchcock teve uma criação pesada. Seu pai o mandava para a delegacia constantemente com um bilhete pedindo para ele ser preso por um dia e assim saber o que acontecia com quem andava fora da lei. A mãe o fazia ficar de pé na beira da cama por horas se se comportasse mal. A obesidade o fazia uma criança retraída. O resultado foi que muitos personagens seus tinham alguma fixação pela mãe como Claude Rains em Interlúdio, o assassino serial de Frenesi que odiava mulheres mas adorava a mãe e obviamente Norman Bates. Por ser extremamente gordo, também nutria uma paixão secreta por suas atrizes, geralmente louras, e apesar de casado, sempre se cercava de mulheres deslumbrantes como Ingrid Bergman, Grace Kelly, Shirley MacLaine, entre outras.

Hitchcock gostava de pregar peças e inventar factóides. Ruy Castro, no livro Saudades do Século XX, conta que o diretor adorava ficar no fundo dos elevadores e quando este estava lotado, simulava uma conversa onde contava como tinha matado uma pessoa e disposto do corpo, para desespero de quem estava junto à porta e não podia olhar para trás. Para o filme 39 Degraus, algemou os dois atores principais e afirmou que havia perdido a chave, só para que as cenas iniciais, com os dois presos um ao outro, ficassem mais realistas. Ele também ajudou a definir a lenda de que todo o filme era desenhado em storyboards antes da filmagem e que a pré-produção era tão rigorosa e detalhista, que nunca um roteiro era alterado nas filmagens. Balela pura. Muitos scripts sofreram mudanças como em alguns casos desenhistas foram chamados para fazer o storyboard depois do filme feito.

Por outro lado é verdade que fez uma aparição-surpresa em todos os seus filmes, geralmente no começo para não distrair a plateia. E até nessa mania conseguiu ser criativo. Seu filme Lifeboat era todo passado em um barco salva-vidas depois de um naufrágio. O diretor pensou em aparecer como um cadáver boiando no mar, mas como tinha pavor de afogamento descartou a idéia. Como fazia dieta na época, teve a grande sacada: um dos personagens carrega um jornal no bote e existe uma propaganda com Hitchcock anunciando um remédio para emagrecer.

Inexplicavelmente Alfred Hitchcock nunca ganhou um Oscar ou um Globo de Ouro ou um Emmy (pela série de TV Alfred Hitchcock presents), nem mesmo uma Palma de Ouro em Cannes. Em compensação, inspirou gente como Steven Spielberg, Brian De Palma, John Carpenter, Sam Raimi, M. Night Shyamalan, Martin Scorsese, George A. Romero, Peter Bogdanovich, Dario Argento, William Friedkin, David Cronenberg e Quentin Tarantino; no livro ’101 Filmes para Ver antes de Morrer” ele é disparado, o diretor mais citado, com 18 filmes e na escolha dos 100 Melhores Filmes que Disparam o Coração do American Film Institute, ele entrou com nove: Psicose (1960) em primeiro lugar, Intriga Internacional (1959) em quarto, Os Pássaros (1963) em sétimo, Janela Indiscreta (1954) em 14o., Um Corpo Que Cai (1958) em 18o, Pacto Sinistro (1951) em 32o, Interlúdio (1946) em 38o., Disque M Para Matar (1954) em 48o. e Rebecca, a Mulher Inesquecível (1940) em 80o.

Ele dizia que o segredo era fazer a plateia sofrer o máximo possível para depois lhes dar o mesmo prazer de acordar de um pesadelo. E esta é a melhor definição de seu legado.

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