sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Um lanterna verde demais

Publicado no site da revista Alfa em agosto de 2011
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Para quem lê HQs, o Lanterna Verde é um personagem bem bacana. Teve duas versões, uma com poderes mágicos criada em 1940 e outra, com poderes cósmicos em 1959. Nesta segunda, o portador do anel verde era um piloto de caças, Hal Jordan, que encontra um alienígena moribundo que faz parte de uma tropa interplanetária, os Lanternas Verdes. Jordan passa a combater o crime com a ajuda do anel energético que cria construtos com a força do pensamento. O personagem passou por inúmeras reformulações com o passar do tempo, indo de herói para vilão, para depois retornar ao seu papel de maior combatente da força esmeralda e um dos grandes best sellers da DC Comics nos últimos cinco anos graças a três sagas interligadas, ‘A Guerra dos Anéis’, ‘A Noite Mais Densa’ e ‘O Dia mais Claro’. Ou seja, o cara sempre foi jovem, intérprido, bom no que fazia e muito cool.


Era óbvio que, com o sucesso dos filmes de super-heróis, o personagem iria parar nas telonas de cinema e conquistar uma nova geração. Ao contrário da Marvel, sua maior concorrente, a DC Comics não tem muita sorte com esse tipo de transposição dos quadrinhos para a sétima arte. Teve Superman e Superman II no começo da década de 1980, que eram fantásticos, e depois a série irregular de Batman nos anos 1990, mas tirando o Homem-Morcego de Chris Nolan no século 21 (quando esse genial diretor resolveu deixar o super-herói mais próximo da realidade), o resto é um fiasco. Vidce a tentativa frustrada de levar a Mulher-Maravilha para uma nova série de TV, já abortada no piloto.
Então para se blindar, nada melhor do que chamar para a direção o homem que ressucitou James Bond duas vezes (com Goldeneye e Cassino Royale), Martin Campbell, investir em efeitos especiais deslumbrantes e ter no elenco um cara que, em poucos minutos, roubou a cena de X-Men Origens: Wolverine, Ryan Reinolds; bons atores como Tim Robbins e Peter Saarsgard (do ótimo Educação); o ‘Jose Lewgoy’ gringo Mark Strong (0 cara só faz papel de vilão como em Sherlock Holmes, Kick-Ass, Rock´n´rolla etc) e ainda a gracinha Blake Lively como mocinha do filme. Com essa fórmula não tem como dar errado, não é?

Deu. Lanterna Verde é chato, primário, irregular, sem ritmo e ótimo somente para aqueles que tem até 12 anos de idade. Para começar, existe uma coisa que todos deveriam ter aprendido com George Lucas e sua série recente de Star Wars: é impossível trabalhar bem na frente da tela verde. Se bons atores e atrizes, como Natalie Portman por exemplo, parecem robôs nessa situação, o que dizer de um cara medíocre como Reynolds? Seu Hal Jordan carece de carisma, é chato e óbvio e sua interpretação resume-se a duas caretas, uma séria e outra rindo.

Além disso, mesmo que o rapaz tivesse a força interpretativa de um Marlon Brando, nenhum filme sobrevive a um roteiro ruim e simplista e olha que o este tem quatro roteiristas. Por duas horas o que vemos é um desfile de clichês, como a cena do ‘treinamento do herói’ (porque todo sargento de treinamento tem que falar as mesmas frases, não importa a época, o filme ou o planeta?), cenas constrangedoras como a exposição das qualidades humanas no Conselho dos Guardiões (que me lembrou o final de outro péssimo filme dos anos 1980, Minha Noiva é un Extraterrestre) e coisas patéticas como os construtos idiotas que o herói usa para salvar pessoas (até mesmo um dos personagens do filme reclama). De resto são piadas sem graça (nem a tentativa de imitar o tom de voz do Batman funciona), não há nenhuma química no casal principal e no final, é uma oportunidade perdida de se fazer um grande filme com um grande personagem.

Uma vez, um editor de quadrinhos de heróis me explicou que um dos motivos do sucesso da Marvel foi ter personagens em que as pessoas pudessem se refletir. A trinca principal da DC era um alienígena, um multibilionário e uma mulher mitológica, enquanto na rival temos num menino nerd com poderes de aranha, um médico deficiente que ao bater sua bengala no chão se transformava em um deus nórdico e um bando de adolescentes que ao invés de espinhas, tinha superpoderes. Nas telonas, a Marvel parece ter um projeto para seus personagens, modernizando-os sem perder a essência e entendendo que o meio cinema é diferente do meio quadrinho. Ela, no geral, respeita sua mitologia e não desrespeita o público, fanático ou não. A DC parece não compreender a importância de suas criações no imaginário pop e os coloca já como perdedores nas telas de cinema (estranhamente nas animações isso não ocorre). Eles ficam sem personalidade e sem a força que tem nos quadrinhos.

Enfim, na sala mais densa, o Lanterna Verde não vai tornar seu dia mais claro, mas seguramente vai ganhar uma sequência (no final dos créditos tem a famosa cena adicional com Sinestro e um anel amarelo). Só nos resta agora aguardar para ver o que a dupla DC/Warner vai fazer com o Homem de Aço dirigido por Zack Snyder, aquele que conseguiu realizar um ótimo trabalho com as HQs 300 e Watchmen, mas patinou feio com Sucker Punch.

E, em tempo, Ryan Reynolds volta às HQs em 2013 como o mercenário falastrão Deadpool. Desta vez da Marvel.

Sean Penn, politicamente nervoso

Publicado no site da revista Alfa em agosto de 2011
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No Oscar de 2009, Robert De Niro foi apresentar Sean Penn, então concorrendo ao prêmio de melhor ator por Milk e disse “Sean, como você pode? Você é o cara mais macho que e conheço e conseguiu fazer um perfeito gay. Como você pode?”. Sean Penn pode porque é, de longe, o melhor ator de uma geração. O cara que começou fazendo uma pontinha em um episódio da série de TV Os Pioneiros aos 14 anos de idade (porque seu pai era o diretor) é hoje uma grife, no sentido de transformar qualquer filme em um ótima experiência.


Sean já teve várias facetas. Fez um tremendo sucesso com  o drogado surfista Jeff Spicoli de Picardias Estudantis de 1982, quase se transformou no Sr. Madonna quando se casou com a cantora em 1985 e viu sua carreira crescer com boas escolhas de papéis como o filho de Chris Walken em Caminhos Violentos, o oficial novato de As Cores da Violência, o advogado de Pacino em Pagamento Final até que surgiu um filme que mostraria a força de sua interpretação. Em 1995, Penn fez até estátuas chorarem com Os Últimos Passos de um Homem, onde interpretou um condenado no corredor da morte e seus últimos dias ao lado de uma freira, baseado no trabalho real de Helen Prejean. Pelo papel, Sean ganhou seu primeiro Oscar.

Em 2001, o ator deu mais um show de interpretação como um deficiente mental que luta pela custódia da filha de sete anos no sensível Uma Lição de Amr, um filme que na mão de qualquer outro ator escorregaria no piegas, mas não nas dele (levou uma Palma de Ouro em Cannes pelo personagem). Depois vieram Sobre Meninos e Lobos (numa atuação de dar medo), 21 Gramas, A Grande Ilusão (a boa refilmagem do clássico de 1949), o já citado Milk (quando levou sua segunda estatueta) e agora A Árvore da Vida. Em 2013, ele aparecerá como o chefão Mickey Cohen em The Gangster Squad ao lado de Josh Brolin e Ryan Gosling.

Mas o que impressiona também nesse homem é sua força vital. Penn é daqueles que defende seu ponto de vista e é extremamente politizado. Tudo isso sem deixar de ser um cara bravo pacas. Quando casado com Madonna ganhou fama de violento depois de esmurrar um fotógrafo. Depois, assumiu uma guerra pessoal contra George W. Bush e sua campanha no oriente médio. Chegou a visitar o Irã e o Iraque, gastou US$ 56 mil para colocar um anúncio no Washington Post em 2002, pedindo ao presidente que acabasse com suas agressões a outros países e à liberdades civis e por causa disso  ficou amigo do “ditador democrático” Hugo Chávez. De quebra, mandou uma carta aberta aos criadores de South Park, por causa de certas piadas do filme Team America onde terminava com um singelo “All best, and a sincere fuck you”.

Por outro lado é um ardente defensor dos direitos dos gays, lésbicas e transexuais, foi ajudar pessoalmente no resgate de vítimas do furacão Katrina em Nova Orleans e quando do terremoto do Haiti, bancou um campo de refugiados ajudando mais de 55 mil pessoas. Se você somar ao fato de que já esteve envolvido com as mulheres do naipe de Susan Sarandon, Robin Wright, a cantora Jewel, Scarlet Johansson e Elisabeth McGovern, ele, que completa 51 anos de idade hoje, 17 de agosto (junto com Bob De Niro, aliás, que faz 68 anos), se torna seguramente o cara que a gente gostaria de ser.

Jane Birkin, o mais famoso gemido

Publicado no site da revista Alfa em agosto de 2011
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Olhe bem para a foto ao lado. Preste bem atenção nesse homem e grave a fisionomia dele para os momentos em que você achar que aquela menina é muita areia para o seu caminhãzinho. Pois esse cara aí era Serge Gainsbourg, compositor e cantor francês, feio, magro demais, fumante inveterado, orelhudo, entornava todas, criador de uma das músicas mais nauseabundas já lançadas e que, apesar de tudo isso, conquistou duas das maiores musas dos anos 1960, Brigitte Bardot e a espetacular Jane Birkin (agora sim, olhe para a foto abaixo).

Birkin é inglesa de Londres, nascida em 1946 que, entre 1965 e 1968, foi casada com o compositor das trilhas dos filmes de James Bond de Sean Connery, John Barry. Bonita, magra, branca, com belíssimos olhos verdes, despontou no cinema com uma pequena participação em Blowup de 1966, dirigido por Michelangelo Antonioni. Em 1968, sem saber francês, a menina foi para a França disputar o papel principal no filme Slogan de Serge Gainbourg. Ganhou a personagem e o diretor.

Serge vinha de um tórrido affair com Bardot e foi com ela que gravou a versão original de ‘Je t’aime… moi non plus’, aquela música que reproduz o diálogo de dois amantes e a mulher fica sussurrando e tendo orgasmos. O lance é que Bardot se casou com o industrial alemão Gunther Sachs, que não queria ficar escutando sua dileta esposa gemendo nas rádios e proibiu seu lançamento (uma das histórias que rolou na época é que os dois haviam gravado a canção fazendo sexo de verdade, ao que Gainsbourg comentou: “se tivesse sido assim, a música seria um lado inteiro de um long-play”).

Assim, abandonado por Brigitte e apaixonado por Birkin, Serge regravou ”Je T´Aime’  com seu novo amor e o casal e a música estouraram nas paradas, mais pela polêmica, do que pela qualidade musical. A canção foi condenada pelo Vaticano, proibida em vários países (o Brasil militar, inclusive, mas também pela Inglaterra, EUA, Itália etc) e muito tempo depois f0i regravada por Donna Summer e – SOCORRO! – pela orquestra de Ray Connif.

Em 1973, Birkin chocou o mundo  de  novo atuando como a amante da ex-amante de seu marido, Brigitte Bardot, no filme Don Juan (também conhecido como Se Don Juan fosse Mulher), péssimo em roteiro e atuações, mas que conseguiria atrair marmanjos ao cinema com suas cenas de teor lésbico. A inglesinha cativara os franceses e em 1975 recebeu uma indicação ao César (o Oscar francês), por sua participação em Je t’aime… moi non plus – 0 filme. Depois disso trabalhou com grandes nomes do cinema francês, fez dois filmes americanos baseados em Agatha Christie (Morte no Nilo e Assassinato num Dia de Sol - ambos com Peter Ustinov como Poirot) e continuou com a carreira musical e celebridade, tornando-se em 1982 modelo de bolsa da famosa marca Hermés, a bolsa Birkin.

Seu neurótico casamento com Serge durou até 1980 quando ela o deixou pelo diretor de cinema Jacques Doillon. De legado, além da música preferida do Djalma Jorge (essa só os paulistanos acima de 40 anos vão sacar), o casal musical deixou uma filha, Charlotte Gainsbourg, que ganhou a Palma de Ouro de melhor atriz no Festival de Cannes de 2009  pelo polêmico Anticristo de Lars Von Trier. A história de Serge e suas musas podem ser conferidas no filme Gainsbourg – O Homem que Amava as Mulheres de Joan Sfar, ainda em cartaz nos cinemas brasileiros, com Birkin sendo interpretada por Lucy Gordon e Bardot por Leticia Casta.

John Cazale, o melhor coadjuvante de todos os tempos

Publicado no site da revista Alfa em agosto de 2011
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Se não tivesse morrido de cancer em 12 de março de 1978, John Cazale teria completado 75 anos hoje. Cazale é um desses fenômenos na história de alguma arte que acontece muito raramente, mas deixa marcas. Isso porque o cara só trabalhou em cinco filmes em toda a sua carreira, todos como coadjuvantes  e todos  esses filmes não só concorreram ao Oscar de Melhor Filme, como se tornaram clássicos e indispensáveis. E, somando a tudo isso, está o fato de que esse ator, natural de Boston, está excelente em todos eles.
Cazale começou no teatro no começo de seus 20 anos e fez uma grande amizade com outro estreante, Al Paci. Os dois trabalharam juntos em algumas peças e ganharam prêmios Obie , dados aos melhores do circuito Off-Broadway. John também chegou a dividir os palcos com Robert De Niro e Meryl Streep (com que namorou até sua morte).
A chance nos cinemas veio com O Poderoso Chefão no marcante papel de Fredo, o mais fraco dos irmãos Corleone. Copolla se impressionou tanto com o trabalho que o chamou para seu próximo filme, o ótimo A Conversação ao lado de Gene Hackman e aumentou  a participação de seu personagem em O Poderoso Chefão 2 – aquele onde Fredo decepciona MUITO seu irmão Michael.

Em 1975, Pacino e Cazale estrelam o melhor filme de assalto de todos os tempos, Um Dia de Cão. O clássico é baseado em fatos reais ocorridos em NY e o diretor Sidney Lumet estava receoso de colocar Cazale, já que o ator em nada parecia com o verdadeiro Sal (que tinha apenas 18 anos de idade quando do crime). Suas dúvidas se dissiparam no teste e sua interpretação foi tão forte que um jornalista da Assciate Press chegou a escrever que “Cazale quebrou corações na tela com representações de homens voláteis, vulneráveis e vacilantes, especialmente o parceiro de Pacino no trágico assalto a banco de Um Dia de Cão“.
Seu último filme o icônico (e hoje sabido irreal) O Fraco Atirador. Ele já estava em fase terminal de câncer ósseo e o diretor Michael Cimino mudou a ordem das filmagens para que ele e sua noiva, Meryl Streep, pudessem acabar suas participações antes. O ator virou um símbolo do homem sensível que tem um grande amor por aquilo que faz. E em 2009 tornou-se o tema de um documentário, I Knew it Was You.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Sharon Tate e a morte que encerrou uma década

Publicado no blog da revista Alfa em agosto de 2011
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Sharon Tate era uma atriz medíocre. Só que Sharon Tate era linda de doer. E gostosíssima. Para se ter uma idéia, depois de trabalhar só de biquini no filme Don´t Make Waves de 1967 com Tony Curtis, o estúdio encheu as salas de cinema com cartazes em tamanho natural da menina! E sua personagem, Malibu, teria inspirado a criação da Malibu Barbie.
Dos 12 filmes que trabalhou só dois são dignos de nota: A Dança dos Vampiros e O Vale das Bonecas. O primeiro, uma comédia amalucada e um tanto datada, foi dirigida e estrelada por Roman Polanski, que acabou seduzindo a moça e se casando com ela. O segundo foi um escândalo no seu lançamento por mostrar garotas em busca de sucesso que se envolvem com sexo e drogas.

Sharon Tate poderia ter sido só uma nota de rodapé na história do cinema se em 09 de agosto de 1969 não tivesse sido morta pela famigerada “família Manson”. Charles Manson era um cara totalmente doido que acreditava que haveria uma guerra entre raças e que o grupo radical Panteras Negras ganharia. Só que o louco também acreditava que precisava ganhar a confiança dos negros, porque eles precisariam de um branco para governar o mundo (palavras  dele, não minhas). E ele pensou tudo isso inspirad0 pela música ‘Helter Skelter’ dos Beatles.

Manson também era um músico frustrado e para impressionar todo mundo, resolveu matar quem estivesse na casa do produtor musical Terry Melcher (que se recusara a gravar uma de suas músicas) como forma de mandar a mensagem que os ricos seriam massacrados. Acontece que Melcher não morava mais lá e calhou de Tate e alguns amigos estarem no local  e assim a atriz acabou esfaqueada e morta, grávida de nove meses.
A escritora Joan Didion declarou anos mais tarde que os anos sessenta acabaram naquela 09 de agosto. Toda a mensagem de paz, amor livre, direitos iguais e toda simbologia que envolveu a geração hippie foi destruída naquele assassinato. Um clima de paranóia foi estabelecido, mesmo depois que todos os envolvidos foram presos e condenados à prisão perpétua.

Tate não deixou um legado como atriz, mas marcou profundamente a justiça americana. No começo da década de 80 soube-se que uma das integrantes da família Manson havia entrado com um pedido de habeas corpus, angariando 900 assinaturas para sua liberação. Foi o bastante para a mãe de Sharon fazer uma campanha brutal contra o indulto, conseguindo que mais de 300 mil pessoas assinassem seu documento. Pelo resto de sua vida dedicou-se a impedir que os assassinos de sua filha saíssem da prisão e acabou criando uma fundação de apoio a família de vítimas de crimes violentos. Por causa dela e graças ao que aconteceu à sua filha, os familiares podem hoje opinar nos comitês de liberdade condicional na Califórnia.

Quanto a Polanksi, sempre declarou ter ficado arrasado com a morte da esposa grávida, dedicando seu filme Tess a ela, mas isso não o impediu de ter que fugir dos EUA graças a um processo por estupro que rola até hoje. Mas isso é assunto para outro post.

Meus cinco clássicos favoritos de John Huston

Publicado no blog da revista Alfa em agosto de 2011
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Hoje é celebrado o aniversário de nascimento do diretor mais rebelde e genial que Hollywood teve o prazer de consagrar e seguramente um dos meus favoritos: John Marcellus Huston. Ator em 55 filmes, roteirista de 39 e diretor de 47 títulos, Huston foi um cara que soube passar por cima das dificuldades que a vida lhe deu e mostrar seu verdadeiro talento. Foi uma criança doente, que depois de passar algum tempo internada num sanatório por ter o coração grande demais e problemas renais, desistiu da escola e foi ser lutador de boxe, tendo ganho um campeonato amador de peso leve, vencendo 22 das 25 lutas.


Nunca conseguindo parar quieto no lugar, foi ator na Broadway, mas desistiu de tudo para se tornar soldado e vaqueiro no México. De volta aos EUA, acabou em Hollywood, primeiro como roteirista e depois como diretor e ator. Sua estréia na direção foi justamente com o filme que definiu o noir, Relíquia Macabra. Por cinco décadas Huston dominou a sétima arte. Disse certa vez que vivera várias vidas e que invejava  o homem que leva uma só, com um trabalho, e uma mulher, em um país, sob um único Deus. Segundo ele, “pode não ser uma existência muito emocionante, mas pelo menos, quando ele chega aos 73 anos, sabe que idade tem”.Ele faleceu em 1987, aos 81 anos de idade e abaixo, em sua homenagem, listo meus cinco filmes favoritos:

Relíquia Macabra (1941): a estréia de Huston na direção e o início de sua longa amizade com Humphrey Bogart na adaptação fidedigna do livro de Dasheill Hammet. Bogie é o detetive particular Sam Spade, quintessência do macho frio e calculista que investiga o paradeiro de uma estatueta de um falcão, que seria feita de ouro. Foi o filme que definiu o estilo noir com diálogos secos, personagens sem emoção, violência  e fotografia soturna. O filme transformou Bogart em astro e fez de Peter Lorre o coadjuvante preferido de muita gente.  A frase, “a coisa com o qual os sonhos são feitos” entrou para os anais do cinema. Se você quer ver como um homem realmente durão age, tem que assistir esse filme!

O Tesouro de Sierra Madre (1948): um verdadeiro tratado sobre ganância e riqueza, deu o Oscar de direçlão a Huston e o de Melhor Ator Coadjuvante ao pai dele, Walter Huston. Bogart, Walter e Bruce Bennet são três americanos miseráveis no México que se unem para explorar ouro nas montanhas de Sierra Madre. Ao encontrar um rico veio, eles passam a enfrentar bandoleiros e Bogie vai aos poucos enlouquecendo, tomado pelo medo que seus companheiros o roubem. É um filmaço, com um final extremamente interessante e com um roteiro que acabou sendo imitado várias vezes, inclusive em outro clássico cult, Cova Rasa. A frase de um dos bandidos mexicanos, “distintivos? Nós não temos distintivos. Nós não precisamos de distintivos. Eu não tenho que lhe mostrar nenhuma drosga de distintivo.” entrou para as 100 melhores do cinema na escolha do AFI.

Moby Dick (1956): a obra de Herman Melville é um grande estudo sobre vingança  e ganhou uma adaptação à altura com Richard Basehart como Ishmael, Gregory Peck como o temido Capitão Ahab e ainda tem uma ponta de Orson Welles como um pastor. Com roteiro de Ray Bradbury, o filme não teve boa receptividade na época em que foi lançado, mas ganhoiu status com o passar dos anos e é, sim, imperdível para quem quer aprender um pouco sobre liderança e obsessão.

O Homem que Queria Ser Rei (1975): Huston juntou dois ingleses totalmente carismáticos, Michael Caine e Sean Connery e filmou no Afeganistão, a ótima história de Kipling, sobre dois soldados britânicos que, no século 19, vão a uma região do Oriente que não vê um homem branco desde os tempos de Alexandre, o Grande. Tomados como deuses, os dois vão da glória à tragédia. Huston tentou fazer esse filme primeiramente com Clark Gable e Bogart nos anos 50 e depois com Burt Lancaster e Kirk Douglas. Acabou se tornando o filme favorito de Caine (que teve a chance de trabalhar com a esposa, Shakira).

A Honra do Poderoso Prizzi (1985): Huston juntou sua filha (Anjelica, a Morticia dos filmes da Família Addams) e seu então cunhado (Jack Nicholson) numa comédia de máfia sobre um matador de uma poderosa família que se apaixona por uma concorrente, Kathleen Turner, na época uma tremenda mulher sensual. O filme concorreu oito Oscars , dando o de atriz coadjuvante a Anjelica levou quatro Globo de Ouro. Para quem curte filme sobre a cosa nostra, e uma abordagem muito diferente.

Obviamente que existem outros grandes filmes do diretor como Uma Aventura na África, Os Desajustados, A Bíblia, O Pecado de Todos Nós, Roy Bean – O Homem da Lei , entre outros e são igualmente obrigatórios para aqueles que querem ver um filme estruturado e impressionante. Em resumo, Huston é imperdível.

Tanti auguri, Antonio!

Publicado no blog da revista Alfa em agosto de 2011
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Hoje Tony Bennett, o lendário cantor romântico de jazz, completa 85 anos de idade. E o que ele tem a ver com cinema? Como ator nada, porque raríssimas vezes arriscou mostrar algum lado dramátrico, trabalhando em alguns seriados de TV anos anos 1960 e 1970. Só que podemos afirmar que não há filme de máfia italiana os dias atuais sem Bennett na trilha (isso ao lado de Louis Prima) ou a coisa não tem graça.

Tony Bennett é um dos grandes exemplos de retomada e superação de um artista. Sucesso nos anos 1950 e 1960 (e, por mais que as pessoas o relacionam com a coisa, não fez parte do Rat Pack de Sinatra), ele viu sua carreira quase afundar com o advento do rock n´roll. Sua tentativa de se manter no topo custou-lhe a saúde e o casamento até que no início dos anos 1990, seu filho começou a colocá-lo em programas de TV com tinham apelo com o público mais jovem (começando por Letterman) e em 1994, o cara gravou um Unplugged para a MTV, sendo redescoberto por um pessoal que curtia rap, country e rock e ganhando inúmeros prêmios. E essa retomada não se limitou às rádios. O cinema também dobrou-se ao seu estilo, especialmente quando a máfia foi “ressucitada” por Martin Scorcese e outros grandes diretores.

E Bennett e bandidos ítalos americanos tem muito a ver. É só assistir a abertura do grande Os Bons Companheiros e se deparar com aquela máfia romântica, em um bairro italiano típico, com ‘Rags to Riches’ ao fundo, compondo um das mais belas combinações entre imagem e música já mostrado. É óbvio que vamos ver que o mundo não é tão cheio de honra assim e que o personagem principal irá mesmo de ‘mendigo a riqueza’ como diz a canção para depois cair na pobreza de novo, mas tudo bem.

Naquele mesmo ano de 1990, Bennett já havia mostrado sua voz em outros dois filmes de gangsteres: a ótima comédia Um Novato na Máfia (com ‘I wanna Be Around’), aquela em que Brando brinca com seu personagem mais famoso, Don Corleone e ainda na não tão engraçada assim Meu Pequeno Paraíso, com Steve Martin e Rick Moranis.

Quando Bob De Niro resolveu ir para trás das câmeras em 1993 com o bom Desafio no Bronx, mostrando um pai desesperado com a amizade de seu filho com um gangster, lá estava Tony. No divertido O Nome do Jogo, aquele em que John Travolta faz um dos mafiosos mais cool da história das telonas, Chilli Palmer, Bennett canta ‘Are You Havin’ Any Fun’. No incompreendido Cassino (que só foi se tornar cult anos depois de seu lançamento), o cantor marcou presença com ‘Who Can I Turn To When Nobody Needs Me’ e não podia ficar de fora também da trilha incidental de Meu Vizinho Mafioso 2.

A participação mais divertida, porém foi mesmo em A Máfia no Divã. A sensacional comédia de Harold Ramis de 1999 com De Niro fazendo um mafioso em crise que passa a ter sessões de terapia com Billy Crystal brinca com inúmeros elementos dos filmes da cosa nostra e ainda traz no elenco algumas figurinhas carimbadas do gênero, como Chazz Palminteri e (o infelizmente falecido) Joe Viterelli. Entre muitas confusões e neuroses, no final, o Dr. Ben Sobel recebe o melhor pagamento por ajudar um chefão com crise de pânico: um show privativo de Tony Bennett no quintal de sua casa. Quem não haveria de querer uma coisa dessas?
A Antonio Dominick Benedetto, Buon Compleanno!

Rango, a animação mais adulta do oeste

Publicado no blog da revista Alfa em agosto de 2011
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Em 1989, os desenhos animados do cinema deram uma volta por cima quando a Disney lançou A Pequena Sereia. Era a época que Michael Eisner assumira a direção do estúdio e resolveu chacoalhar as coisas exigindo animações que agradassem tantos adultos como crianças. Para os pais era ótimo, porque você poderia levar seus filhotes e ainda rir com boas piadas ou situações. E assim, anos mais tarde, dá-lhe Robin Williams detonando cultura pop em Alladin, A Bela e a Fera concorrendo ao Oscar de Melhor Filme e todos os desenhos da Pixar serem geniais e abrindo caminho para outros estúdios.

Este ano de 2011 passou totalmente despercebida uma animação que trazia uma característica muito interessante: a maior parte dela era feita para adultos. E a explicação disso é muito simples, por trás está boa parte da equipe de primeira cinessérie de Piratas do Caribe. Estou falando de Rango, primeiro longa animado da Industrial Light & Magic de George Lucas, escrita e dirigida por Gore Verbinski (o diretor dos três primeiros Piratas), com roteiro de John Logan (Gladiador, Um Domingo Qualquer, O Último Samurai) e “estrelado” por Johnny Depp, Isla Fisher (a Becky Bloom), Bill Nighy (o Davy Jones), Harry Dean Stanton (que atravessou o deserto em Paris, Texas), Ned Beatty, Alfred Molina (o Doc Oc de Homem-Aranha 2), entre outros.

Rango é uma tremenda brincadeira em cima de faroestes (a começar pelo nome que emula um grande personagem do gênero, Ringo) e conta a história de um camaleão (Depp) que cai do carro da família que o cria e acaba em uma cidadezinha de animais no deserto de Mojave que sofre com o problema de falta de água. E aí, dá-lhe personagens totalmente surreais como o pássaro com uma flecha atravessada do olho esquerdo até o lado da cabeça, a menininha agressiva, a fazendeira que paralisa quando fica nervosa e, obviamente, o latifundiário cruel e seu bando.

E também há um desfile de citações para aqueles que, como eu, que gostam de buscar detalhes. Logo no começo, por exemplo, o réptil voa pela estrada e bate no pára-brisa do carro de Hunter S. Thompson, que escreveu Medo e Delírio em Las Vegas, cujo filme Depp participou. Depois vem referências a Chinatown (a tartaruga-prefeito é baseada no personagem de John Huston no clássico de Polansky), Apocalypse Now, Guerra nas Estrelas e, obviamente, uma série de westerns clássicos ou não, sem esquecer de um de seus deuses máximos: o velho e bom Clint Eastwood (imitado magistralmente por Timothy Olyphant de Deadwood e Hitman).

Aliado a tudo isso há uma trilha sonora ótima (Hans Zimmer com participação do grupo Los Lobos), com canções de matar de rir (interpretadas pelas corujas mariachi) com uma animação que é de um detalhismo fantástico e de beleza ímpar.  E, há muito humor negro e diálogos absurdos, o que o faz uma ótima pedida para um domingo modorrento, de preferência sem crianças (já estou avisando, elas vão achar um porre).

Clara Bow, a primeira sex symbol

Publicado no blog da revista Alfa em julho de 2011
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Quando Clara Bow terminou um namoro, soube que o ex -- desesperado -- havia tentado se matar, cortando os pulsos. Indagada sobre como se sentia com isso, ela disparou: “Cortar os pulsos? Homens não cortam os pulsos, homens usam armas”. Essa é uma das muitas lendas dessa atriz do cinema mudo, que foi considerada o primeiro grande símbolo sexual de Hollywood e que inspirou Max Fleischer na criação de Betty Boop. Bow ditou moda, foi alvo de escândalos e reinou tranquilamente sobre a capital do cinema até a aparição dos filmes falados.

Em oito anos, fez mais de 45 filmes. Saiu de uma salário de US$ 35 por semana em 1922 para US$ 5 mil em 1929. Nada mal para uma menina, filha de uma esquizofrência que tentou matá-la e de um pai ausente que quando estava em casa a agredia verbal, fisica e sexualmente.
Seu maior sucesso foi o filme It de 1927. Nele, Bow vivia a vendedora de uma loja que faz das tripas coração para conquistar o dono do estabelecimento e mudar de vida. E consegue, graças ao seu “it” ou seja, o apelo sexual abre portas para a menina. O filme foi o bastante para  colocá-la no imaginário de qualquer marmanjo norteamericano daquela década. Também a pôs nos tablóides, já que inúmeras esposas entraram com processos judicuais, alegando que Clara roubou seus maridos. O máximo dos escândalos veio com a fama de que ela teria transado com todo o time de futebol americano da Universidade do Sul da Califórnia em 1927. Mas sabe-se que ela teve um romance tórrido com Bela Lugosi (o mais famoso Drácula do cinema) e o indivíduo manteve uma foto dela nua em seu quarto pelo resto da vida.

Clara colocava lenha na fogueira, agindo como uma mulher liberada e que não devia nada para ninguém.   É dela a famosa frase “quanto mais conheço os homens, mais amo os cachorros”. Para o público feminino, ela alternava entre o mau exemplo e o modelo de sedução. Muitas criticavam sua imagem sexualizada, mas quando, por exemplo, se descobriu que sua ruivez era graças a aplicação de henna nos cabelos, o produto vendeu como água.

Sua carreira acabou graças, principalmente, a dois fatores. O primeiro foi quando os atores precisaram falar nos filmes. Clara tinha presença, mas um sotaque irritante. Seu último trabalho foi em 1933. Depois, a moça herdou a doença da mãe, a esquizofrenia. Casada com um político, tentou o suicídio quando ele resolveu concorrer a uma vaga na Câmara dos deputados. Sobreviveu, mas afirmou que preferia a morte a voltar para a vida pública.

Clara Bow nasceu em 29 de julho de 1905 e faleceu em 27 de setembro de 1965. Sobre ser um símbolo sexual disse “é um fardo pesado para carregar quando se está cansada, magoada e confusa”. Marilyn Monroe que o diga.

‘A Encruzilhada’, o pequeno clássico do Blues

Publicado no blog da revista Alfa em julho de 2011
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Li na última edição de Veja que um pequeno clássico dos anos 80 está sendo relançado no Brasil em DVD. É A Encruzilhada, filme de 1986 que marcou a juventude de muita gente e acabou introduzindo uma leva grande de moleques no blues. É um daqueles filmes despretenciosos, leves e puros que presta uma homenagem sincera ao ritmo já chamado de “dor de corno americano” e consegue mostrar e refletir todos os aspectos dessa forma musical que inspirou Rolling Stones, Bob Dylan, Eric Clapton e uma centena de roqueiros famosos.


Contando a história de um moleque de 17 anos de idade, prodígio no violão clássico e fanático pela melodia dolorosa do sul dos EUA, que encontra um antigo parceiro do lendário bluesman Robert Johnson em uma prisão para terceira idade e parte para o Mississipi em busca da perdida 30a. canção do músico (Johnson teria gravado somente 29), A Encruzilhada vai brincando com o mundo do blues, desde os músicos que vendem a alma ao demônio para conseguir a maestria nos instrumentos, à dor da separação como inspiração para tocar, passando, obviamente, pela vida de vagabundo nas estradas do interior.

O filme foi uma confluência de talentos vindos de outros clássicos da época e muitos deles sumiram depois, sem deixar muitos vestígios:
1) O personagem principal foi interpretado por Ralph Macchio, recém saído do megasucesso Karate Kid que treinado pelo guitarrista Arlen Roth, não faz feio dublando um músico verdadeiro. Depois da continuação das aventuras de Daniel San, o rapaz nunca mais fez sucesso.
2) No papel de Willie Brown, o velho gaitista bluesman, estava Joe Seneca, então com 67 anos de idade, que já havia sido cantor e que chamou a atenção dos críticos com uma pequena participação em O Veredito de 1982 e Silverado de 1985.
3) A gatinha Jami Gertz faz o par quase romântico de Macchio e depois participaria de mais dois filmes marcantes dos anos 1980: Os Garotos Perdidos e Abaixo de Zero para depois cair no ostracismo.
4) Não podemos esquecer da participação marcante do virtuoso da guitarra, Steve Vai, então com 25 anos de idade, como o guitarrista do diabo, no duelo de guitarras mais marcante da história das telonas (Va, na verdade, tocou as duas partes).
5) A trilha sonora e os solos de blues do menino foram tocados pelo ótimo Ry Cooder, que estourara em 1984 fazendo a música do cult Paris, Texas de Wim Wenders.
6) E, finalmente, a direção é de Walter Hill, que nos brindou com grandes classicos como Cavalgada de Proscritos, Warriors – Selvagens da Noite (este, se você não viu, não sabe o que está perdendo), 48 Horas (que mostrou que Eddie Murphy podia fazer filmes sérios sem perder a graça) e um dos musicais mais kitchs e memoráveis já produzidos, Ruas de Fogo (que imortalizou a canção ‘I Can Dream About You’). Apesar deste currículo, Hill não conseguiu fazer sucesso nos anos 1990 e acabou dirigindo o seriado Deadwood para a TV.

 Esqueça aquele amigo músico que vai dizer que Macchio dubla bem mas erra na mão direita. Esqueça aquele cunhado que sabe tudo e vai dizer que o filme comete o crime de colocar Willie Brown como gaitista, porque na vida real ele era guitarrista (e dos bons). Esqueça aquele tio que dirá que o solo que o menino faz no final é ‘Capricho Número 5′ de Paganini (1782-1840), uma vez que ele foi o primeiro músico carregar a fama de  ter vendido a alma ao tinhoso em troca de talento (e mais de um século depois inspiraria outro guitarrista infernal, Yngwie Malmsteen). Esqueça tudo isso e curta A Encruzilhada, mesmo se você não é o maior fã de blues. E, se gostar, corra atrás da trilha sonora.

The blues ain’t nothin’ but a good man feelin’ bad,
thinkin’ ’bout the woman he once was with.


O verdadeiro faroeste caboclo de ‘O Cangaceiro’

Publicado no blog da revista Alfa em julho de 2011
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Em 1953, enquanto Hollywood soltava um de seus mais icônicos westerns, Os Brutos Também Amam, o Brasil conquistava o mundo com o que o pesquisador Salvyano Cavalcanti de Paiva chamou de ‘nordestern’. O filme era O Cangaceiro do diretor Lima Barreto (não confundir com o escritor carioca do século 19), considerada a melhor produção dos famosos estúdios Vera Cruz. A obra, escrita por Barreto e com diálogos da escritora Raquel de Queiróz, flertava com o cinema americano, só que ao contrário do faroeste gringo, onde grandes psicopatas e sociopatas como Jesse James ou Billy the Kid ganhavam cinebiografias romantizadas e bastante elogiosas, em terras brasileiras o bandido era apresentado como bandido mesmo, sem limites e sem piedade.


O filme mostra o bando do Capitão Galdino Ferreira, cruel líder de cangaceiros que não só não deixa o progresso chegar ao sertão, como invade uma pequena cidade e sequestra uma professorinha. O problema é que seu maior amigo e braço direito, Teodoro, se apaixona pela moça e contrariando as ordens do chefe, foge com a menina, dando início a uma perseguição implacável pelo sertão.

O Cangaceiro tem um ritmo irregular, algumas interpretações mais duras que as do Stallone, mas apresenta recursos narrativos de vanguarda e uma violência que desmistifica a imagem romântica do cangaço, especialmente a aquela relacionada a Lampião, seu maior representante. Quando o bando invade a cidadezinha, por exemplo, vê-se os bandidos amarrando moças claramente com intenção de estuprá-las e marcando seus rostos com ferro quente (diz-se que Virgulino Ferreira fazia o mesmo com aquelas que considerava mais “devassas”). Os caras chegam inclusive a roubar cofrinho de criança. Ao mesmo tempo, mostra os governantes da cidade não fazendo absolutamente nada para salvar as pessoas e ainda por cima puxando o saco do cangaceiro (um desses políticos se despede com um ‘Boa viagem e volte sempre’).

No lado narrativo, existem grandes cenas como de Gaudino com um padre (e a consequência disso), a execução de Teodoro (uma das mais criativas que já assisti e que, provavelmente, gerou o nome do filme em inglês, The ninth bullet), o desespero e papel duplo das mulheres que acompanhavam os cangaceiros e ainda a emboscada com os volantes.

A obra de Lima Barreto acabou ganhando o prêmio de  Melhor Aventura no Festival de Cannes  de 1954 e também o de melhor trilha sonora, consagrando a balada popular ‘Olê Muié Rendeira’, interpretada por Vanja Orico, com arranjos de Gabriel Migliori e coro dos Demônios da Garoa.  Ficou  anos em cartaz na França e, comprada pela Columbia Pictures, foi distribuída para mais de 80 países no mundo. O ator Milton Ribeiro, que fazia Galdino, virou personagem de história em quadrinhos e também o maior representante das aventuras de cangaço no Brasil, trabalhando depois em filmes como Corisco – o Diabo Louro, Lampião – O Rei do Cangaço, A Morte Comanda o Cangaço entre outros. Já Vanja Orico, que já havia cantado antes em Mulheres e Luzes de Federico Fellini, ganhou os palcos no mundo e acabou virando motivo de piada do sempre sensacional cronista carioca Stanislaw Ponte Preta, que cunhou a expressão “Vanja vai, Vanja vem” para mostrar passagem de tempo, uma vez que a moça viajava o tempo todo.

E uma curiosidade ótima de O Cangaceiro: a obra foi filmada em Vargem Grande do Sul, no interior de São Paulo, e um dos coadjuvantes era o compositor Adoniran Barbosa e foi graças a esse filme que ele conheceu o pessoal do Demônios da Garoa e fizeram uma das parcerias mais famosas e geniais da história da MPB. No final de 2010 foi anunciado que o filme passaria por uma restauração e seria lançado em DVD duplo.

Natalie Wood, a ascensão e queda da musa teen

Publicado no blog da revista Alfa em julho de 2011
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Hoje, 20 de julho, seria aniversário de Natalie Wood, uma atriz que tem uma marca muito interessante: antes dos 25 anos de idade, ela, que começou no cinema aos sete ao lado de Orson Welles, recebeu três indicações para o Oscar e depois só viu sua carreira ir ladeira abaixo até que, em 1981, morreu afogada com 43 anos de idade.

Foi casada duas vezes com Robert Wagner (aquele do seriado Casal 20 e o braço direito do Dr. Evil na série Austin Powers) e, ainda teenager, namorou caras mais velhos como Elvis e Denis Hopper. Em sua carreira, Wood trabalhou em 56 filmes para cinema e TV, mas quero destacar quatro grandes filmes com grandes atuações.

O primeiro é Juventude Transviada de 1955, uma obra que mudou a maneira do mundo enxergar os jovens e inaugurou, ao lado de O Selvagem com Brando, os filmes sobre rebeldia juvenil. Natalie era o par romântico de James Dean, o revoltado “garoto novo na cidade” que coleciona inimigos e problemas por onde passa. O clássico consagrou o canivete automático como acessório obrigatório para qualquer macho revoltado e a “chickie race” (corrida de carros onde o último a saltar do carro em movimento, antes de cair em um despenhadeiro, ganha), mas meio que se tornou maldito já que os três protagonistas tiveram morte violenta: Dean ao volante, Wood ao cair de um barco – bêbada – e afundar por estar usando um pesado casaco de peles e Sal Mineo, assassinado por um amante.

No ano seguinte, ela teve um pequeno, mas essencial papel em Rastros de Ódio de John Ford. É um dos  grandes filmes de John  Wayne, onde o Duke é um cowboy racista e violento que parte numa busca desenfreada para resgatar a sobrinha, raptada por um comanche. Como a procura dura anos, quando ele encontra a menina, ela está totalmente integrada aos indígenas e o homem tem que lutar contra si mesmo para não matar a coitada. É um faroeste imperdível, tenso, onde o personagem de Wayne está deslocado no tempo. É o homem rude e cheio de ódio que estava desaparecendo e a cena onde a porta se fecha com ele se afastando da casa em direção à vastidão do Oeste reflete esse espírito.

Clamor do Sexo de 1961 foi um grande sucesso no seu lançamento justamente por questionar se vale a pena manter-se pura e virgem até se casar ou se é melhor dar vazão aos desejos mais profundos. Colocou Wood como a comportada namorada de Warren Beaty (seu começo como galã), que enlouquece por não poder se entregar ao moço. Foi o primeiro filme hollywoodiano a mostrar um beijo de língua, ganhou um Oscar de Melhor Roteiro e ainda entrou na lista dos 50 melhores filmes universitários de todos os tempos da revista Entertainment Weekly.

Finalmente temos West Side Story,também de 1961, o ótimo musical que põe Romeu e Julieta em Nova York e mostra um ex-líder da gangue branca dos Jets se apaixonando pela irmã do chefe da gangue inimiga, os portoriquenhos Sharks. O espetáculo era um grande sucesso na Broadway e quebrava o estilo de dança mais comum dos musicais, apresentando coreografias ousadas e modernas desenvolvidas por Jerome Robbins. Wood ficou com o papel de Maria depois que Audrey Hepburn recusou (estava grávida), mas nas cenas de canto foi dublada por Marni Dixon. Destaque para as músicas ‘America’ e ‘I Feel Pretty’, além da chatinha ‘Maria’.

É interessante notar que a partir daí, Natalie foi perdendo seu encanto e novidade. Seu último grande sucesso polêmico foi Bob & Carol & Ted & Alice, uma comédia de 1969 sobre troca de casais. Como adulta, a atriz não atraía tantas atenções como era quando teenager e só constou de produções menores.

Sua morte nunca foi plenamente explicada. A versão oficial é que caiu do barco depois de ter ingerido “de seis a oito cálices de vinho”, mas até hoje sua irmã acredita que ela foi empurrada pelo marido, o ator Robert Wagner, depois de uma discussão causada por ciúmes. Ele, obviamente nega, foi inocentado de todas as acusações e está, desde 1990, casado com a ex-Bond Girl Jill St John (de Os Diamantes são Eternos).