quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A única vez que vi Pelé no cinema

Publicado no site da revista Alfa em outubro de 2010
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Segundo o IMDB, maior site de cinema do mundo, Pelé trabalhou em nove longas como ator. Eu só vi um e ainda por cima no cinema: Fuga para a Vitória de 1981. É um típico “sessão da tarde”, um John Huston infinitamente menor (pô, o cara nos deu O Falcão Maltês, Uma Aventura na Africa, O Tesouro de Sierra Madre e O Homem Que Queria Ser Rei), mas não deixa de ser um filme simpático, especialmente se você curte futebol.

A grande decepção que tive como um moleque de 14 anos é que nosso maior jogador não faz papel de brasileiro. Pelé era o Cabo Luis Fernandez, natural de Trinidad. Sei lá o que deu na cabeça de Huston para pensar em algo assim, mesmo porque, por incrível que pareça aos gringos, o Brasil também participou da II Guerra. Ou seja, nem nossa estrela podia ser nossa estrela.

Reza a lenda que o filme foi baseado em um fato real, mas se pesquisar na internet verá duas versões, uma que envolve prisioneiros de guerra em um jogo contra os nazistas e outra que diz que jogadores do Dynamo Kiev jogaram contra os “boches”. Em ambas as falácias, os germânicos perderam e os ganhadores foram fuzilados. De qualquer maneira, nas telonas a história era basicamente essa: oficial nazista (Max Von Sydow), entusiasta do esporte bretão, descobre vários grandes jogadores de futebol em um campo de prosioneiros e resolve fazer uma partida contra um time alemão. O que era para ser uma pelada entre inimigos em um campinho de várzea, vira uma arma de propaganda com direito a estádio em Paris e tudo mais e, ainda por cima, o time aliado tinha que perder ou virava chucrute.

Huston teve grandes sacadas ao fazer o filme. A primeira foi chamar 18 jogadores famosos nas décadas de 1970 e 1980 para figurar entre bons atores como Michael Caine. Havia, por exemplo o zagueiro inglês Bobby Moore, eleito o melhor jogador da Inglaterra nos 50 anos da UEFA. Já o argentino Osvaldo Ardiles, pasmem, fazia papel de argentino e não de alguém natural das Ilhas Pago Pago (a Argentina de Perón participou da Guerra?). Como aparentemente nenhum alemão queria vestir o uniforme com a suástica, o americano Werner Roth e o inglês Laurie Sivell atuaram no time nazista. Cada jogador imprimiu nas telonas algumas de suas marcas, como Pelé marcando um gol de bicicleta. Foi, aliás, o “Rei” que ajudou a coreografar todas as jogadas mostradas.

Um dos destaque do filme é Sylvester Stallone. O homem estava no auge naquela época e era um grande chamariz para fazer com que o pessoal da terra do Tio Sam assistisse um filme sobre “soccer”. Ele interpreta (na falta de palavra melhor) um militar que jogava futebol americano e quer porque quer participar do time para poder fugir durante o jogo. Acaba pegando o lugar de goleiro e obviamente faz o papel de herói. Só que o velho Sly acabou ficando com as grandes histórias por trás das telas. De início, ele se recusou a ter um dublê para as cenas de jogo. Como queria ele mesmo jogar e se recusava a ser treinado, conseguiu deslocar o ombro e quebrar uma costela na primeira cena que fez. Depois, ainda se achando um bom jogador, teve uma dividida com Pelé e ganhou um dedo quebrado. E mais, o cara exigia que fosse ele, o goleiro, que fizesse o gol da vitória (honra que ficou com Pelé, aliás). No final, Stallone afirmou que foi mais doloroso fazer esse filme do que a série Rocky.

Também vale lembrar outra grande ideia da obra: transformar a partida entre aliados e nazistas em uma batalha em campo, com direito a torcida e até mesmo resistência francesa na jogada. Se em Casablanca a guerra acontecia dentro do bar de Bogart com alemães cantando sendo sobrepujados por franceses gritando a Marselhesa, em Fuga para a Vitória, a arma era a bola, tão poderosa que vence até mesmo um juiz ladrão.

Pelé tentou continuar com sua carreira de ator, sempre sendo ligado ao futebol. Fez com Huston A Vitória do Mais Fraco, depois se aliou aos humoristas brasileiros em Os Trapalhões e o Rei do Futebol, fez o desconhecido Hotshots, onde treinava um americano no esporte e desde 1989, com uma participação em Solidão, Uma Linda História de Amor, não tenta atuar. Ainda bem. Porque é preferível que ele seja lembrado eternamente como o mestre dos campos de futebol, do que como um ator do nível de um Stallone.

Os Coen e o perigo da refilmagem

Publicado no site da revista Alfa em outubro de 2010
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Neste último fim-de-semana tive a chance de rever uma das melhores comédias inglesas de humor negro, Quinteto da Morte de 1955 com Sir Alec Guinness (ou o velho Obi-Wan da saga Star Wars) e um Peter Sellers em início de carreira, muito antes da série A Pantera Cor-de-Rosa.

A típica comédia inglesa vem tradicionalmente do teatro e assim a situação geral e o diálogo é que vão dar o tom do humor e não caretas ou piadas físicas. E Quinteto da Morte é um grande representante desse gênero justamente por reunir atuações soberbas com personagens e diálogos surreais. No roteiro de William Rose, que mais tarde escreveria o libelo anti-racismo Adivinhe Quem Vem para Jantar, cinco criminosos fingem ensaiar um quinteto de cordas na casa de uma doce viúva octagenária, enquanto planejam roubar o carro-forte de uma empresa. E para conseguir realizar o feito, tem de envolver a decana senhorinha no assalto. Depois, começam a se apavorar com a idéia de que devem eliminar a velhinha para não haver testemunhas e um a um dos bandidos passam a sofrer “acidentes”.

Reconheceu a história? É Matadores de Velhinha que os irmãos Coen realizaram em 2004. Ethan e Joel Coen são geniais. Conseguiram fazer coisas extremamente originais (em um mundo onde o novo no cinema americano significa efeitos especiais de vanguarda) com obras como Arizona Nunca Mais, Fargo, O Grande Lebowski, Onde os Fracos Não Tem Vez e recentemente em Um Homem Sério, mas erraram a mão ao refilmar essa história.

Tom Hanks está caricato, enquanto Alec Guinnes está tenebroso. O bando do professor G.H Door da nova versão não chega nem aos pés em carisma quando colocados ao lado da quadrilha de Professor Marcus do original. E não dá para nem se comparar as duas velhinhas. A inglesa é doce, gentil, íntegra e simpática, enquanto a americana é uma caricatura da mãe negra sulista. Mesmo a obra inglesa consegue fazer comédia até na trilha sonora, já que o bando “ensaiava” um minueto para cinco cordas de Luigi Boccherini e à medida que cada personagem vai “desaparecendo”, a música de fundo vai sendo tocada com um instrumento a menos.

A razão de minha preocupação em relação aos Coen refilmarem algo é que acabou de sair o segundo trailer de seu Bravura Indômita, nova versão de um dos mais consagrados filmes de John Wayne e o único que lhe deu um Oscar. O “Duke” fazia o delegado Reuben J. ‘Rooster’ Cogburn, durão, machão, bêbado e incansável perseguidor de criminosos, que é contratado por uma menina para encontrar o assassino de seu pai. A versão original tinha ainda Robert Duvall como o desafeto do homem da lei e Dennis Hopper em papel menor. Wayne, aliás, odiava Hopper por considerá-lo um comunistazinho barato e depois das filmagens chegou a persegui-lo com um revólver em punho pelo estúdio. Dennis, que também andava armado e adorava ameaçar quem passasse na sua frente, resolveu ficar escondido em um armário até o fúria do outro passar. Ele podia ser o cara mais agressivo do universo (e era), mas não dava para peitar John Wayne.

Na refilmagem, Cogburn é interpretado pelo sempre genial Jeff Bridges e Matt Damon, Barry Pepper e Josh Brolin também estão lá. Os Coen haviam dito que seu filme seria muito mais fiel ao livro de Charles Portis que o outro, mas pelo que vi no trailer, dá sensação de que nada mais fizeram do que copiar cenas de um clássico. Até mesmo a famosa sequencia da cavalgada do delegado em direção aos quatro bandidos, atirando como um louco, foi reproduzida fielmente. Enfim, é esperar o Natal chegar para ver. Até lá, sia meu conselho e assista o original. Com certeza você vai se divertir com John Wayne.

Grandes perseguições de carro no cinema

Publicado no site da revista Alfa em outubro de 2010
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Não sou fanático por carros, mas desde o filme Os Irmãos Cara-de-pau de 1980, descobri que adoro perseguições de automóveis no cinema, com motoristas fazendo manobras inacreditáveis e motores sendo levados ao máximo. Esse tipo de cena de ação é tão recorrente que existe desde o cinema mudo com as peripécias dos Keystone Kops de Max Sennet. Em velhos Ford T ou em antigas motocicletas, os amalucados policiais faziam coisas incríveis em uma época onde para se ter um bom efeito especial se corria risco de vida, como mostra a cena abaixo:


Ainda no ramo da comédia, o já citado Blues Brothers conseguiu criar cenas hilárias às custas de dezenas de carros destruídos como na famosa cena da invasão do shopping center. Para fazer a sequencia, o diretor John Landis ocupou um local abandonado, recheou seu estacionamento de carros 0 km fornecidos por uma concessionária (com a promessa que nenhum sofreria nem arranhão) e preencheu as lojas tomando o cuidado para que todos os frequentadores do shopping fossem dublês profissionais. O resultado está aqui:

http://www.youtube.com/watch?v=_oMtdXaqBx4&feature=related

E para aqueles que viveram os anos de 1980, Eddie Murphy estreou uma das mais célebres perseguições do cinema quando num caminhão de cigarros contrabandeados resolve aloprar as ruas de Detroit. A pergunta que não quer calar é "como alguém consegue dar 'cavalo de pau' em um ônibus?" e o filme é Um Tira da Pesada (1984).


Todo mundo assistiu e vibrou com 60 Segundos com Nicholas Cage e Angelina Jolie, mas pouca gente sabia que tratava-se da refilmagem de um obscuro filme de 1974, que conseguiu destruir 93 automóveis em 97 minutos de história e foi interpretado por pessoas "normais" e não atores. Com vocês, a Eleanor original:


A década de 1970 produziu fantásticas sequencias envolvendo carros e câmeras, a começar por 1971 que nos brindou com o detetive Jimmy "Popeye" Doyle e sua guerra contra o cartel francês de drogas em Nova York no filme Operação França. Durante a cena abaixo, o acidente de carro que ocorre no cruzamento da avenida Stillwell e 86 St., não foi planejado e acabou entrando no filme por causa de seu realismo. O cidadão cujo carro foi atingido tinha acabado de sair de sua casa a poucos quarteirões do cruzamento para ir trabalhar e não sabia que uma perseguição de carro estava sendo filmada. Os produtores, obviamente, pagaram todo o conserto:


Num momento em que a contracultura estava no auge, era óbvio que rebeldia, protesto e carros estariam unidos nas telonas, mostrando "párias" da sociedade fugindo do poder vigente atrás do volante. Dois filmes se destacaram nessa época, Corrida Contra o Destino de 1971 e Fuga Alucinada de 1974. Aqui você confere uma propaganda feita para a TV, anunciando uma sessão dupla com as duas produções:


James Bond não seria tão poderoso se não soubesse dirigir como ninguém. Seja atrás de um poderoso Aston Martin ou de um pequeno Citroen 2CV 6, o agente consegue realizar proezas incríveis sobre quatro rodas, como fazer um AMC Hornet dar 360 graus no ar. A cena a seguir é a estonteante abertura de Quantum of Solace:

http://www.youtube.com/watch?v=QXJiYV9K77Q

Quando Ronin de 1998 foi lançado, uma revista brasileira disse que no futuro os cursos de cinema no mundo teriam uma matéria ensinando a fazer uma perseguição de carros como as do filme. O próprio diretor, John Frankenheimer disse fez o filme porque sentia falta de uma boa corrida de automóveis nas telas de cinema. A cena a seguir mostra o duelo entre uma BMW 535i e um Peugeot 406 nas ruas de Paris:


E finalmente aquela que é considerada por muitos críticos como a melhor perseguição de carros da história do cinema e responsável pela revitalização do gênero: Steve McQueen e seu Mustang 390 GT 2+2 Fastback nas íngremes ruas de São Francisco, no clássico policial Bullit de 1968. Na verdade o ator, famoso por fazer suas próprias cenas e ser um entusiasta em velocidade, foi substituído pelo dublê Bud Enkins em parte da sequencia, que levou três semanas para ser filmada e saiu com 9 minutos e 42 segundos na edição final:


sexta-feira, 15 de outubro de 2010

O Bond que tinha medo de armas

Publicado no site da revista Alfa em outubro de 2010
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Ele era velho demais para o papel, não fez nenhuma cena de ação, nunca pediu um Vodca Martini e muita gente acha que fez do agente secreto uma piada, mas Sir Roger Moore, que completou 83 anos ontem, foi o ator que mais viveu James Bond, dentro e fora da série original.

Filho de um policial, Moore sempre quis ser um ator, mas a II Guerra atrapalhou seus sonhos. Nos anos 50, assinou um contrato com a MGM. Apesar de bonito, elegante, gentil e bom ator, não conseguiu emplacar nenhum sucesso no cinema e partiu para a TV em séries como Ivanhoé, The Alaskans e como o primo inglês de James Garner em Maverick. Em 1962, ganhou a fama como Simon Templar, na série O Santo, um ladrão que só rouba de criminosos ricos (e fica com o dinheiro) e acaba ajudando a polícia a prendê-los. O seriado durou sete anos e nesse meio tempo teve a chance de viver James Bond pela primeira vez na programa cômico inglês Mainly Millicent de 1964. Num sketch ele interpreta o famoso espião, que encontra a agente russa Sonia Sekova em resort e os dois ficam a todo momento achando que um quer matar o outro, quando na verdade estão ali em férias.

Depois que O Santo foi cancelado em 1969, Moore fez alguns filmes sem sucesso e logo emplacou mais um seriado na TV, The Persuaders, ao lado de Tony Curtis, mas o vício em drogas deste último acabou sendo fatal para o trabalho da dupla e finalmente veio o convite para ser James Bond.

Moore estava já com 45 anos quando apareceu na pele do agente de sua majestade em Viva e Deixe Morrer. E mais, sofria de hoplofobia ou medo incontrolável de armas. Mesmo assim, seu Bond era leve, sarcástico, elegante e sedutor, mais próximo do que o autor, Ian Flemming, imaginava. O próprio ator chegou a afirmar em uma entrevista que nunca conseguiria interpretar o assassino frio e cruel como Sean Connery fez e que trabalhava mesmo pelas risadas. Foram sete filmes como Bond, apesar de ter querido parar em 1981 com Somente para seus Olhos. Quando finalmente foi substituído pelo péssimo Timothy Dalton, Moore já estava com 58 anos de idade, ou seja, velho demais para o papel.

Roger voltaria várias vezes a emular James Bond, seja em paródias como em Quem Não Corre, Voa ou Cruzeiro das Loucas, seja em comerciais de TV ou programas humorísticos, mas nunca mais conseguiria um papel cinematográfico de sucesso. Em 1999, aliás, concorreu ao prêmio Framboesa de Ouro como pior ator coadjuvante em O Mundo das Spice Girls tendo Sean Connery como competidor (este pelo terrivelmente péssimo Os Vingadores). Nenhum dos dois ganhou.

Apesar do fracasso nas telonas, Roger Moore se tornou um bem-sucedido embaixador na Unicef, substituindo a atriz Audrey Hepburn. Seu interesse humanitário despertou ao filmar 007 contra Octopussy na India, onde teve contato com a miséria e as condições degradantes da população. Além disso, foi porta-voz do PETA na campanha contra a fabricação do foie-gras.

Aos 83 anos, está casado pela quinta vez (sua esposa é a multimilionária Kristina ‘Kiki’ Tholstrup) e mora em Valais na Suiça, e assim como seu personagem mais famoso, não perde a chance de se misturar aos amigos poderosos como os reis da Suécia e da Dinamarca. Ao grande Roger Moore, nós erguemos um brinde. Com Vodca Martini batida, não misturada.

Quando um resgate vira circo

Publicado no site da revista Alfa em outubro de 2010
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A grande notícia da semana é o resgate dos mineiros no Atacama, ação exemplar do governo chileno, lidando de maneira fantástica com sua segunda grande desgraça este ano. Hollywood, porém, já mostrou uma situação parecida com essa, mas com contornos e desfecho bem mais pesados num classicão de 1951 estrelado por Kirk Douglas, A Montanha dos Sete Abutres.

Na história, baseada em um caso real ocorrido em 1925, um jornalista inescrupuloso cujo lema é “notícia ruim vende e notícia boa não é notícia”, Chuck Tatum, muda-se para Albuquerque no Novo México, depois de ser banido dos jornais dos grandes centros. Entediado e louco da vida por estar em uma cidade (então) provinciana, acaba sabendo que um mineiro ficou preso em uma caverna indígena na tal montanha dos sete abutres e vê a notícia como sua maior chance em conseguir voltar para a grande mídia. Tentando ganhar tempo para transformar o drama em reportagem nacional, acaba corrompendo o xerife local, o engenheiro responsável pelo resgate e a esposa do mineiro para assim atrasar ao máximo o salvamento. O resgate que poderia ser feito em 12 horas, leva seis dias para acontecer, para o azar do coitado preso na mina.

Seu final trágico e moralista não aplacou a fúria da imprensa na época, que se sentiu atacada pelo filme de Billy Wilder, o mais ácido e sarcástico diretor americano de todos os tempos. Acontece que mais do simplesmente falar de jornalismo marrom, A Montanha dos Sete Abutres é uma lição sobre ganância, oportunismo e jogos de interesses presentes em qualquer ser humano e ainda o que acontece quando a ética profissional é trocada pelo lucro pessoal.

Bons e maus policiais no cinema

Publicado no site da revista Alfa em outubro de 2010
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Já que o assunto da vez é o Capitão Nascimento (desculpe, mas ainda não vou conseguir chamá-lo de Coronel) e seu BOPE em Tropa de Elite 2, vale a pena dar uma olhada em alguns policiais que foram eternizados no cinema, tanto por serem durões pacas (ou como diriam na língua do bardo, badasses) ou corruptos demais e aqueles mais idealistas.

Chefe Harlan Quilan em A Marca da Maldade (1958): estrelado e dirigido por um imenso Orson Welles (que foi demitido da direção já na pós-produção), o clássico mostrou dois extremos da força policial, o correto oficial da divisão de narcóticos interpretado por Charlton Heston e o extremamente corrupto chefe de polícia (Welles) na investigação do assassinato de um empreiteiro em uma cidade na fronteira com o México. A abertura do filme, uma sequencia de três minutos sem cortes acompanhando um carro com uma bomba dentro, virou clássica.

Virgil Tibbs em No Calor da Noite (1967): um policial negro de Nova York tem que investigar um assassinato em uma cidade racista pacas no sul dos Estados Unidos. O filme tem os geniais Sidney Poitier e Rod Steiger e uma de suas frases entrou para o as 100 melhores da história do cinema. Quando o policial racista lhe pergunta “como é que tem chamam na sua cidade, crioulo?”, Poitier simplesmente dispara “Eles me me chamam de Sr. Tibbs”.

Dirty Harry em Magnum Force (1973): na segunda aventura de Clint Eastwood como o policial harry Calaham, ele precisa um esquadrão da morte repleto de policiais corruptos, que matam aqueles que são considerados indesejáveis na cidade de San Francisco. Nada que uma Magnum 44 na mão não resolva.

Frank Serpico em Serpico (1973): cinebiografia do policial novaiorquino que se recusava terminantemente a receber propina e acabou não só sendo isolado pelos colegas, como correu perigo de vida e levou a uma mega investigação na polícia de NY. Al Pacino levou o Globo de Ouro por sua interpretação.

Stansfield em O Profissional (1994): Gary Oldman dá um show de interpretação na pele do policial Norman Stansfield, que lidera um negócio de drogas em NY e está atrás da garotinha Mathilda (Natalie Portman, então com 12 anos de idade), única testemunha do massacre de sua família.

Bud White em Los Angeles – Cidade Proibida (1997): no moderno filme noir de Curtis Hanson, o foco é a força policial de Los Angeles nos anos de 1950. Com tipos como o policial galã de Kevin Spacey e CDFs como Guy Pearce, o detaque vai para o brutamontes de Russell Crowe, que prefere fechar os olhos para os esquemas de corrupção do lugar até que se torna um alvo.

Detetive Alonzo Harris em Dia de Treinamento (2001): Denzel Washington abandonou o papel de mocinho e assumiu a pele do corrupto, violento e imoral Alonzo, policial da divisão de narcóticos em Los Angeles e acabou levando uma estatueta do Oscar com isso, provando que o crime compensa (pelo menos nas telas). Duvido você não ficar com raiva do cara.

Billy Costigan e Colin Sullivan em Os Infiltrados (2006): de um lado um policial fingindo ser bandido (Di Caprio) e do outro um bandido tentando ser policial (Matt Damon), numa produção menor de Martin Scorcese (refilmagem do chinês Infernal Affairs) que acabou lhe dando o Oscar de Melhor Diretor e levou também o de melhor filme do ano.

Um filme sobre um homem raro

Publicado no site da revista Alfa em outubro de 2010
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Da Terra Nascem os Homens, produção de 1958 dirigida por William Wyler, não é só um grande faroeste, mas também traz um conceito até então não explorado no gênero e que até hoje pode ser servido de exemplo, o do homem que não precisava provar nada para ninguém.

Gregory Peck, que quatro anos depois faria o advogado Atticus Finch de O Sol é Para Todos, este sim considerado o maior herói de todos os tempos pelo American Film Institute, vive o marinheiro aposentado Jim McKay, que se muda para o oeste para encontrar a noiva, Patricia Terrill (a belíssima Carroll Baker), filha de um fazendeiro local. Lá, encontra uma terra de homens brutos, com duas famílias (os Terrill e os Hannassey) em guerra e seus modos da Nova Inglaterra causam tanta estranheza que a todo momento questionam sua masculinidade.

O segredo do filme está justamente na postura de McKay. Ele não dá a mínima para o que os outros pensam dele. Em momento algum ele se sente na obrigação de ter a aprovação alheia e acredita piamente que o caminho da violência é a maneira mais errada de se conseguir as coisas. Isso contrasta com a filosofia dos outros personagens, especialmente o do capataz da fazenda, Steeve Leech, vivido por Charlton Heston e o descontrolado Buck Hannassey de Chuck Connors. Completando a galeria de tipos masculinos está o fazendeiro Rufus Hannassey, rude, abrasivo mas cheio de honra, que valeu ao ator Burl Ives um Oscar de melhor ator coadjuvante.

Em quase três horas de filme, vemos Peck ser desafiado de todas as maneiras e não alterando sua fleuma em momento algum. Seu estilo de vida, porém, não o impede de mostrar a si mesmo quais são seus limites. Quando todos o acham um covarde por não montar o cavalo mais bravo da região, Old Thunder, limita-se a sorrir e dar uma desculpa esfarrapada, para de madrugada, acompanhado apenas do empregado Ramon, realizar o feito. Heston quer porque quer brigar com ele o filme todo, já que também está de olho na bela Patricia. O conflito dos dois ocorre mais uma vez longe dos olhos de todos, mas somente depois que o capataz lhe dá a palavra que nada será contado aos outros, não importando o resultado da luta.

Enfim, Da Terra Nascem os Homens é uma lição para aqueles que querem entender novas fronteiras da masculinidade e sair do espectro dos Rambos, Bournes e Ethan Hunts que imperam no cinema de ação. É uma lição ao homem de hoje que procura ser, nas palavras de Ramon, “raro de se encontrar”.

Em tempo, o tema do filme, composto por Jerome Moss, é considerado um dos melhores do gênero western pelos especialistas.

12 filmes de gangues que você não pode perder

Publicado no site da revista Alfa em outubro de 2010
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Ainda na esteira dos 20 anos de Os Bons Companheiros e na eminência de mais uma série de TV falando de Máfia (e com a chancela de Scorcese), Boardwalk Empire, aqui vão 12 imperdíveis filmes com grupos de criminosos dos mais diversos tipos e estilos. Só deixamos a saga O Poderoso Chefão de Copolla de fora da lista, porque já virou obrigatória e hour-concour, portanto se você não viu, não merece nem ler o resto.

1. Scarface, A Vergonha de uma Nação (1932): todo mundo fala da versão de Al Pacino, mas Howard Hawks chocou os EUA com um filme tão violento que ficou dois anos na gaveta esperando ser liberado pela censura (conseguiu mas com um texto alertando para o fato de que o crime é ruim). Paul Muni é Tony Camonte, criminoso que ascende ao topo de um bando de gangster depois de matar seu chefe. Para completar tinha uma paixão incestuosa pela irmã, envolvida com um de seus homens de confiança, George Raft (que acabou criando um dos personagens mais marcantes do filme, o gangster que jogava uma moeda para cima e para baixo. Até o Pernalonga o imitou).

2. Fúria Sanguinária (1949): outro clássico imperdível e estrelado pelo grande ás do gênero, o baixinho enfezado James Cagney (que na verdade era um exímio bailarino e sapateador, mas ficou marcado pelos tipos brutos que interpretou em filmes de gangster). Ele é Cody Jarret, um psicótico líder de gangue com um complexo materno que deixaria Freud louco. A sequencia final, após a fuga da cadeia, com Cagney no alto de um tanque de combustível gritando “veja mamãe, cheguei no topo do mundo” é uma das mais marcantes na história de Holywood.

3. Onze Homens e um Segredo (1960): a refilmagem com Clooney e seus amigos é bem simpática, mas a versão original com o famoso Rat Pack de Frank Sinatra (com Dean Martin, Sammy Davis Jr, Peter Lawford e Joey Bishop) tem um estilo inconfundível de uma época que não volta mais, além de um final completamente inesperado e que dificilmente alguém teria coragem de colocar em um filme atual (Steven Soderbergh não teve).

4. À Queima Roupa (1967): o sempre durão Lee Marvin em mais uma parceria com o diretor inglês John Boorman (os dois fizeram o incrível Inferno no Pacífico juntos) na história de um criminoso que busca vingança contra a ex-esposa e o ex-parceiro e procura recuperar sua parte proveniente de um antigo assalto, enquanto enfrenta uma poderosa organização criminosa, disfarçada de operação legal. Reconheceu a história? Foi refilmada com Mel Gibson como O Troco. Um dos filmes favoritos de Martin Scorcese.

5. Laranja Mecânica (1971): não é preciso o paletó e o sotaque italiano, nem mesmo localizar a história nos EUA para se fazer um filme sobre gangues. Stanley Kubrick adaptou o livro de Anthony Burgess um jovem deliquente, Alex de Large, que com sua gangue aterroriza os pobres ingleses do futuro e, capturado, aceita fazer parte de um programa de reabilitação experimental que leva a uma aversão à violência (e a Bethoven) por parte do paciente. Você nunca mais vai relacionar a música “Cantando na Chuva” somente com Gene Kelly depois desse filme.

6. Warriors – Selvagens da Noite (1979): fantasia transadíssima do diretor Walter Hill que causou tumulto entre gangues reais no cinema na época do lançamento, mas hoje parece até história em quadrinhos filmada. A cidade de Nova York é palco de um conclave de gangues com nomes geniais (The Furies, The Boppers, The Hi-Hats, The Lizzies, The Turnbull AC’s, The Gramercy Riffs) e depois de serem acusados de ter matado o líder da maior delas, o pessoal do Warriors deve fugir do Bronx a Coney Island e escapar da fúria de cem mil inimigos.

7. Era uma vez na America (1984): Sergio Leone deixou o faroeste de lado para fazer a lírica e trágica saga de uma gangue de judeus no bairro de East End de Nova York, desde a era da Lei Seca nos anos 1920 até o reencontro da turma nos anos 1960 e ainda contou com os talentos de Robert De Niro, James Woods, Joe Pesci e da sempre estonteante Jennifer Connely, então com apenas 14 anos de idade. Destaque para a música belíssima de Ennio Morricone.

8. Cães de Aluguel (1992): o filme de estréia de Quentin Tarantino conseguiu revolucionar o gênero, aliando elementos antigos e esquecidos dos filmes clássicos com inovações como história não-linear e personagens marcantes, mas sem nome (somente apelidos como Sr. Black, Sr. Pink etc), numa história sangrenta sobre um assalto a uma joalheria. Contar mais é entregar o filme. Obviamente que depois de assistir esse, é obrigatório ver Pulp Fiction, Kill Bill e Bastardos Inglórios e entrar em eternas discussões sobre qual é o melhor filme do diretor.

9. Os Suspeitos (1995): talvez uma dos mais brilhantes usos de linguagem cinematográfica no cinema americano, brincando com o fato de que você é um espectador. Dirigido pelo então estreante Bryan Singer (X-Men) e magistralmente estrelado por Gabriel Byrne, Stephen Baldwin, Benicio Del Toro, Kevin Pollack, Chezz Palminteri e Kevin Spacey (que ganhou o Oscar de ator coadjuvante), é um daqueles filmes onde você nunca vai poder contar nada, especialmente o final ou perde a graça. Se não viu, compre já e assista com um grupo. Em tempo, o nome original, The Usual Suspects vem de uma frase de Casablanca, “round up the usual suspects” (prenda os suspeitos de sempre).

10. Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes (1998): o filme que lançou Guy Ritchie (ex-Sr. Madonna) na direção e os brutamontes Jason Statham (Adrenalina) e Vinnie Jones (60 Segundos) como atores. Quatro pobretões londrinos acabam devendo meio milhão de libras depois de um mal sucedido jogo de poker e tem uma semana para recuperar o dinheiro. Enquanto isso, o filme desfila os tipos mais estranhos possíveis, como Harry “Machadinha”, Barry “Batista” e Nick “o Grego” das mais variadas gangues com os mais variados sotaque. Ritchie acabou repetindo a fórmula depois no genial Snatch – Porcos e Diamantes e recentemente no divertido Rock’n'rolla - A Grande Roubada.

11. A Outra História Americana (1998): um filme que aborda um outro tipo de gangue, aquela movida por ódio racial. Um Edward Norton sarado faz um ex-líder de um grupo de neo-nazistas skinheads, que depois de cumprir pena por assassinato busca a todo custo tirar seu irmão menor (Edward Furlong de O Exterminador do Futuro II) do mesmo caminho que ele seguiu. Destaque para a chocante cena da morte do desafeto de Norton no meio-fio e da reconstrução do personagem dentro da penitenciária.

12. Cidade de Deus (2002): não é ufanismo, nem repetição, mas não dá mais para se falar em filmes de gangue ou de crime sem citar o classicão de Fernando Meirelles. Se você duvida cheque o IMDB, maior site de cinema do mundo. O filme aparece em 19o lugar entre os 250 melhores filmes já feitos e em sétimo no gênero “crime”, e isso por votação dos gringos. A história você já conhece: na famosa favela carioca, moço que se esquentava quando chamado de Dadinho, domina o crime local e começa a combater outras gangues, enquanto acaba criando seus maiores inimigos. E ainda nos faz pensar que se aqui fosse Holywood, alguém já teria a idéia de fazer Zé Pequeno versus Capitão Nascimento, o filme.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Os Bons Companheiros: o lado B da Máfia

Publicado no site da revista Alfa em outubro de 2010
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O Poderoso Chefão pode ser o melhor filme de máfia já feito, mas foi Os Bons Companheiros, que completa 20 anos este ano, que tirou o romantismo dos criminosos e mostrou a dura realidade que cerca seu mundo. Enquanto no primeiro você torcia pelo vilão, já que a “famiglia” mafiosa é mostrada como um centro de valores tradicionais envolvendo honra, camaradagem e companheirismo (ou como um crítico inglês definiu, “o mundo é que é louco, eles não”), no segundo, Scorcese decidiu colocar o verdadeiro objetivo daquela gente: ganhar dinheiro em cima do medo, do vício e da morte alheia.

Scorcese vinha de uma grande polêmica com o seu A Última Tentação de Cristo, que provocou a ira de cristãos no mundo todo e apesar de ter prometido não mais fazer filmes de máfia, resolveu levar às telas o livro “Wiseguy” de Nicholas Pileggi, contando a história real de Henry Hill, que escalou a hierarquia da organização criminosa nos Estados Unidos e acabou se tornando delator do FBI para escapar de uma condenação mais pesada.

Para o papel principal, chamou um ator menos conhecido e muito talentoso, Ray Liotta, que vinha de Totalmente Selvagem e Campo dos Sonhos, apesar do produtores insistirem em medalhões como Tom Cruise. Robert De Niro, em mais uma parceira com Scorcese, dá um show como o irlandês Jimmy Comway, associado à gangue de Paulie Cicero, interpretado por Paul Sorvino, mas quem rouba todo o filme é Joe Pesci e seu Tommy DeVito, o gangster sociopata e sem limites.

Pesci, que já havia trabalhado com Scorcese e De Niro em Touro Indomável, relutava em fazer o papel. Como na juventude havia trabalhado em um restaurante freqüentado por mafiosos, tinha muitas histórias para contar ao diretor e este, para convencer o ator a participar da produção, colocou algumas delas no meio da narrativa.

A mais famosa gerou uma das mais marcantes cenas do filme, onde Joe Pesci, nervoso, fica ameaçando Ray Liotta, dizendo “você me acha engraçado?”. A sequencia foi “negociada” em segredo entre Scorcese, Liotta e Pesci e a cara de surpresa dos outros atores na cena era completamente genuína. Em entrevista recente para a revista GQ, um deles afirmou que todos achavam que Joe iria mesmo matar Ray no set de filmagem. Seu personagem realmente era assustador. Não pensava duas vezes em ferir ou matar alguém. Nervoso e agitado, acabou dando o Oscar de melhor ator coadjuvante a Joe Pesci.

Improvisação foi o grande segredo para atuações tão convincentes. O diretor apresentava mais situações do que scripts prontos aos seus atores e criava um ambiente de mistério, onde um não sabia o que o outro iria dizer. Além disso, assim como aconteceu nos filmes do Chefão, contratou legítimos membros da Máfia e amadores para figuração. Até mesmo Charles e Catherine Scorcese, pais do diretor, aparecem no clássico, a última como a mãe de Tommy De Vito.

Outro detalhe é a utilização da música em cena. Enquanto o filme abre com “Rags to Riches” de Tony Bennet para ilustrar o lirismo dos anos 50, vai terminar com “My Way” na versão do Sex Pistols, ilustrando a ascenção e queda de Henry Hill. Na sequencia onde o bandido faz negociações com drogas entre o final dos anos 1960 e começo de 70, o diretor desfila um pout-pourri de clássicos como “Jump Into the Fire” de Nilsson, “Memo From Turner” e “Monkey Man” dos the Rolling Stones, “Magic Bus” do The Who e “Mannish Boy” de Muddy Waters. E acredite, nunca mais você vai conseguir escutar o solo de piano de “Layla” de Eric Clapton, sem lembrar dos corpos das pessoas envolvidas com o assalto ao avião da Lufthansa, mutilados depois que Jerry Comway “conversou” com eles.

A violência do filme assustou a platéia das exibições-teste. Em uma delas, 70 pessoas chegaram a sair da sala no meio da projeção. Segundo o diretor, nunca antes um filme havia recebido notas tão baixas antes nesses previews. O resultado foi que acabou sendo lançado em metade das salas originalmente programadas e foi ofuscado na bilheteria e na cerimônia do Oscar por Dança com Lobos. Vinte anos depois, quem se lembra do filme de Costner?

Os Bons Companheiros colocou Scorcese de volta ao panteão dos grandes diretores americanos do cinema moderno e foi o ponto alto da carreira de Liotta (que foi subestimado por Hollywood e acabou caindo em produções de segunda) e Pesci (que teve fez algumas boas produções como JFK, Esqueceram de mim, Cassino e Máquina Mortífera, mas nenhum papel com o impacto de DeVito).

Foi o filme que abriu caminho para seriados como Família Soprano, onde metade do elenco, aliás, foi se alojar. Lorraine Bracco, que fazia a esposa de Henry Hill no cinema, tornou-se a Dra Melfi, psicoterapeuta de Tony Soprano (a atriz recusou ser Carmela Soprano pois alegou que já havia tido sua quota de mulher de mafioso). Michael Imperioli, o Spider da produção de Scorcese, ganhou o papel do sobrinho de Soprano no seriado. Há, aliás, uma homenagem em tom de brincadeira em um dos episódios. No filme, Imperioli, um garçom, leva um tiro no pé, disparado por Joe Pesci, depois de ofendê-lo. Na série, é ele que dispara um no pé de um atendente que o trata mal em uma rotisserie.

Mais do que um filme de máfia, Os Bons Companheiros é uma aula de cinema e continua tão atual quanto em 1990. Imperdível. E agora, confira como Joe Pesci é “engraçado”. Ou não.

domingo, 3 de outubro de 2010

Adeus, Tony Curtis, e obrigado!

Publicado no blog da revista Alfa em setembro de 2010
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Se você não sabe quem é Tony Curtis, morto ontem aos 85 anos de idade, então nunca assistiu à melhor comédia já feita segundo o American Film Institute, um dos melhores dramas sobre jornalismo sensacionalista e a uma das séries de TV mais charmosas e divertidas de todos os tempos. Mais do que isso, perdeu a chance de ver um dos homens mais simpáticos que surgiu nas telas.

Tony Curtis transformou a desgraça de sua vida pessoal em sucesso. Nascido Bernard Schwartz no Bronx, em Nova York, teve uma infância paupérrima e pautada por revéses como ter que passar semanas em um orfanato, pois seus pais não tinham condição financeira de sustentá-lo e mais tarde enfrentar a morte do irmão em um acidente de carro. Depois de três anos como fuzileiro naval, Bernard mudou seu nome para Tony Curtis e foi para Holywood em 1938. Bonito, charmoso e com uma forte e marcante voz, apareceu por dois minutos apenas no filme Baixeza de 1939 e causou tão boa impressão que foi convidado para um papel menor, mas importante, em Serras Sangrentas. A partir daí sua carreira deslanchou.

Estrelou, ao lado de Jack Lemmon e Marilyn Monroe,o hilariante Quanto Mais Quente Melhor (1959) de Billy Wilder, onde aparece vestido de mulher. Já com Burt Lancaster fez A Embriaguez do Sucesso (1957), um drama carregado onde interpreta um ambicioso e inescrupuloso assessor de imprensa. A nomeação para o Oscar veio com Acorrentados de 1958, onde ele e Sidney Poitier são dois prisioneiros, um negro e um branco, que, atados um ao outro, escapam de uma penitenciária e tem que lidar com o racismo que sentem para manterem-se vivos.

Depois de participações elogiadas em Spartacus (1960) de Stanley Kubrick, onde participa de uma cena – cortada na época de seu lançamento – com forte teor homossexual; e de O Homem que Odiava Mulheres (1968), a controversa cinebiografia de Alberto DeSalvo, um serial killer real que assombrou Boston, Curtis foi para a TV na deliciosa série The Persuaders (1971). Nela, viveu Danny Wilde um bon vivant americano que é arregimentado por um juiz aposentado para, ao lado do lorde inglês Brett Sinclair (ou Roger Moore antes da fase James Bond) prender criminosos ricos. Com diálogos deliciosos, sempre repleto de mulheres e belas paisagens e com uma das melhores aberturas e temas já feitos, o seriado só teve duas temporadas e acabou cancelado graças ao vício de Tony em álcool e drogas que o faziam atrasar a produção. O ator iria lutar para se desvencilhar desses vícios anos mais tarde e ainda veria um de seus filhos morrer de overdose em 1994.

Curtis fazia sucesso com as mulheres. Teve tórridos e divulgados affaires com Marilyn Monroe e Natalie Wood, casou-se seis vezes (uma delas com Janet Leigh de Psicose) e teve seis filhos, sendo a mais famosa Jamie Leigh Curtis, que estreou Um Peixe Chamado Wanda e True Lies.

Até sua morte ontem, ele se dedicava à pintura, seu maior hobby e a escrever. E até nisso teve sucesso. Alguns de seus quadros foram vendidos por US$ 50.000 e um deles está exposto no Metropolitan Museum of Art de Nova York. Apesar de todos os percalços pessoais, financeiros e profissionais que passou durante sua vida, ele amava viver. Quando completou 60 anos de idade disse “eu não estou pronto para descansar como um velho senhor judeu e ficar sentado na varanda ou andando de bengala. Eu ainda tenho uma porrada de coisas para viver”. E pode ter certeza que ele viveu.