segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Meu Blake Edwards favorito

Publicado no site da revista Alfa em dezembro de 2010
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A essa altura você já deve saber que o diretor Blake Edwards faleceu aos 88 anos de idade. Ele foi o rei da comédia física nas décadas de 1960 a 1980, graças à série Pantera Cor-de-Rosa com o inglês Peter Sellers (tirando um tremendo sarro dos franceses). Ele também foi o cara que fez Audrey Hepburn cantar em Bonequinha de Luxo, apesar da insistência dos produtores para que ela fosse dublada e acabou imortalizando a canção “Moon River”. Quer mais? Ele transformou Bo Derek na grande musa dos anos de 1980 com o irregular Mulher Nota 10, flertou com o drama no pesado Vício Maldito de 1962 e seu filme A Corrida do Século de 1965 inspirou a dupla Hanna & Barbera a desenvolver o sensacional desenho A Corrida Maluca (este sim, um belo candidato para uma versão live action atual). Além disso, Edwards teve duas grandes parceiras na sua vida, a primeira com o compositor de trilhas sonoras Henry Mancini, que deu ao Inspetor Closeau uns dos temas mais lembrados pelas platéias do mundo todo e a segunda, talvez bem mais importante, o casamento de 42 anos com a grande dama do cinema, Julie Andrews. E, se você, como eu, sofre de “vergonha alheia”, nunca assista  Um Convidado bem Trapalhão. O filme tem sequencias geniais (como a do banheiro), mas você seguramente vai passar mal.
De toda a obra do cineasta premiado com um Oscar por sua carreira em 2004, Victor ou Victória de 1982 é seguramente o meu predileto. Edwards queria refilmar o clássico alemão de 1933, Viktor und Viktoria desde o final dos anos de 1970 com sua esposa e Peter Sellers, mas o ator faleceu em 1980, enquanto o casal filmava S.O.B. (o péssimo filme onde Andrews faz um topless). Escrevendo o roteiro em apenas um mês, Edwards criou uma das melhores comédias de todos os tempos com interpretações geniais e números musicais inesquecíveis.

A história é clássica: na Paris de 1934, cantora lírica inglesa passa fome e com a ajuda de um amigo gay, desenvolve a persona do Conde Victor Grazinski, um transformista polonês e estoura na noite, até que um gangster de Chicago se apaixona por ela e a comédia de erros está estabelecida.
Na falta de Sellers, Blake Edwards convocou um antigo ator de musicais da Broadway, Robert Preston, para fazer o gay Toddy e o cara rouba o filme. Preston já havia sido galã em Hollywood (ou como ele dizia, o ator A em filmes B e o ator B em filmes A) e sua performance como um homossexual sarcástico o levou a concorrer o Oscar, já que sua interpretação é sutil, sem grandes maneirismos e com uma leve, quase imperceptível, afetação. Para o gangster veio James Gardner, já famoso pelos seus personagens cínicos, acompanhado de Leslie Ann Warren como sua histérica e irritante namorada (numa performance incrível). Ainda completam o elenco John Rhys Davies (o anão de O Senhor dos Anéis) e Alex Karras como o inteligente e perspicaz guarda-costas de Gardner, com um segredo em sua vida.
O que sempre adorei em Víctor ou Victória é que Edwards conteve sua fixação pelo pastelão e mostrou piadas de maneira diferente do que fazia em seus filmes com Sellers. Ele cria toda uma expectativa em torno de uma barata em um restaurante para mostrar depois a confusão estabelecida de longe, com a câmera afastada e aí é que está a graça. Depois que o gangster descobre que o Conde não é homem e começa a ter um caso com Vitória, o filme dispara nas piadas do mundo gay, sempre com classe, como o fato de que todo mundo que eles encontram a partir dali é homossexual e, em uma das melhores cenas do filme, você morre de rir com a maneira com que Garner faz para se reafirmar como homem, indo de smoking a um boteco mau frequentado no pior bairro de Paris.


E tem ainda a cena final com Preston recriando de maneira desastrosa uma das ótimas sequencias musicais feitas por Andrews, “The Shady Dame from Seville”. Na trilha de comentários  do DVD, o diretor e sua esposa afirmam que o ator a fez sem cortes e sem ensaio e que os tombos, erros e as risadas dos coadjuvantes (e da platéia) eram reais. 

Victor ou Victória também é um show de diálogos surreais como esse:
Victória: Homens tem pomo-de-adão.
Toddy: Algumas mulheres também.
Victória: Diga-me uma!
Toddy: Nana Lanu.
Victória: Quem é Nana Lanu?
Toddy: A última mulher que eu transei.
Victória: Quando foi isso?
Toddy: A noite que antecedeu a manhã que decidi ser homossexual.

ou ainda como excelente diálogo entre Victória e um garçom:
Victória: Posso ver a carta de vinhos?
Garçom: Temos um branco 1934 e um tinto 1934.  Na semana passada tínhamos um rosé 1934, mas foi usado na salada.

Numa dessas grandes injustiças da Academia, sempre avessa a comédias, o filme concorreu a sete prêmios no Oscar e ganhou somente o de Melhor Trilha Sonora Original ou Adaptada. Preston, que merecia o prêmio, perdeu para Louis Gosset Jr e seu militar de A Força do Destino. Em compensação, o filme ganhou prêmios na França (o César de Melhor Filme Estrangeiro), na Itália (o David de Donatelo como melhor roteiro e melhor atriz) e ainda o Globo de Ouro de melhor atriz para Julie Andrews.  Em 2000, o American Film Institute escolheu as 100 melhores comédias de todos os tempos e Victor ou Victória ficou na 76a. posição, à frente de Os Fantasmas se Divertem e Bom Dia, Vietnã.

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