domingo, 30 de janeiro de 2011

“Network” e o lado podre da TV

Publicado no site da revista Alfa em janeiro de 2011
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Já foram feitos muitos filmes sobre a televisão e seus males. Tivemos Nos Bastidores da Notícia (1987), Quiz Show (1994), O Show de Truman (1998 – embora esse é mais sobre a vida do que a TV) e a série queridinha dos americanos, 30 Rock. Só que nenhum destes chegou aos pés de Network, chamado no Brasil de Rede de Intrigas, que completa 25 anos em 2011. Assistir esse filme hoje é uma experiencia arrepiante, porque um quarto de século depois, tudo o que o filme mostra ainda é atual.

Na trama, um jornalista, apresentador de um jornal com baixíssima audiência em uma rede fictícia, a UBS, vai ser demitido e simplesmente enlouquece no ar,  tornando-se uma espécie de profeta do tubo de raios catódicos. Enquanto isso, executivos buscam, de qualquer forma, enriquecer e aumentar a audiência da emissora juntando a catarse do apreentador com programas absurdos como The Mao Tse Tung Hour, onde dramatizam ataques de grupos de terroristas aos Estados Unidos (como os Panteras Negras), com tramas escritas pelos próprios guerrilheiros e ainda levando uma vidente ao jornal para prever as notícias e a metereologia.

O brilhantismo do filme dá-se justamente pela fórmula que alia grande direção (de Sidney Lumet), roteiro e diálogos brilhantes (escrito por Paddy Chayesfsky) e atuações soberbas. Para se ter uma idéia, o ator australiano Peter Finch, que interpreta o jornalista louco Howard Beale, foi o primeiro a ganhar um Oscar póstumo (feito só repetido por Heath Ledger em 2010). Faye Dunaway que faz Diana Christensen, a personagem mais ambiciosa do cinema desde a Eve Harrington de A Malvada, levou o Oscar de Melhor Atriz. Beatrice Straight ganhou o Oscar de Melhor Atriz coadjuvante e ela só aparece em duas cenas, mas sua força de interpretação como a esposa traída de William Holden faz com que a premiação seja mais do que merecida. Até mesmo Ned Beatty, que dá um show em apenas uma cena, concorreu à estatueta. O filme também levou o Oscar de Melhor Roteiro.

A atualidade da trama se reflete nos discursos de Beale e posteriormente do dono da corporação que possui a emissora, o Sr. , que acabaram se tornando proféticos mesmo. Veja o primeiro deles, por exemplo:
Eu não tenho que lhe dizer as coisas estão ruins. Todo mundo sabe que as coisas estão ruins. É a depressão. Todos estão fora do mercado de trabalho ou com medo de perder o emprego. O dólar vale um níquel, os bancos estão falindo, os lojistas mantém uma arma sob o balcão. Punks estão à solta na rua e não há ninguém em qualquer lugar que parece saber o que fazer, e não há fim para isso. Sabemos que o ar está impróprio para respirar e a comida imprópria para comer, e ficamos sentados vendo nossa TV, enquanto alguns noticiário local diz que hoje tivemos homicídios quinze e sessenta e três crimes violentos, como se essa fosse a maneira que é suposto ser. (…) É como se tudo, em todo lugar, está ficando louco, por isso não saímos mais. Sentamo-nos em casa, e lentamente o mundo em que vivemos é cada vez menor, e tudo o que dizemos é: “Por favor, pelo menos nos deixem sozinhos nas nossas salas de estar. Deixe-me ter minha torradeira e minha TV e meu radiais com cinta de aço e não vou dizer nada.” (…)  Tudo que sei é que primeiro você tem que ficar bravo. Você tem que dizer, ‘Eu sou um ser humano, droga! Minha vida tem valor!” (…) Eu quero que você se levante agora e vá para a janela. Abra-a, e enfie a cabeça para fora e grite: “Eu estou louco da vida e eu não vou mais agüentar isso!

Ou ainda uma que reflete muito bem os brasileiros hoje, sobre o poder da televisão:
Porque menos de três por cento das pessoas lêem livros! Porque menos de quinze por cento de vocês lêem os jornais! Porque a verdade é que vocês só sabem o que acontece através deste tubo. Agora, há toda uma geração que nunca soube de qualquer coisa que não tenha saído deste tubo! Este tubo é o Evangelho, a revelação final. Este tubo pode fazer ou destruir presidentes, papas, primeiros-ministros. Este tubo é o Deus mais impressionante, deste mundo sem Deus, e ai de nós se, algum dia, ele cair na mãos de pessoas erradas

Rede de Intrigas ficou em 66o lugar entre os 100 maiores filmes da história do cinema eleito pelos membros do American Film Institute. A frase “I’m as mad as hell, and I’m not going to take this anymore” está em 19a posição entre as 100 mais famosas da sétima arte. O roteiro é considerado um dos 10 melhores do mundo pela Associação dos Escritores da America. E em 2000, uma cópia restaurada entrou para o Registro Nacional de Filmes da Biblioteca do Congresso Americano, por ser culturalmente, historicamente e esteticamente relevante aos Estados Unidos.

Só que em tempos de BBB, de eleições ganhas na TV, de desastres e assassinatos explorados em nome dos índices de audiência e de celebridades instantâneas, Network pode ser muito relevante também ao Brasil.

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