quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A Hollywood amarga de “Crepúsculo dos Deuses”

Publicado no site da revista Alfa em dezembro de 2010
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Quando Crepúsculo dos Deuses foi apresentado para a nata do cinema em 1950, Louis B. Mayer, o grande e poderoso chefão da MGM voou para cima de Billy Wilder, o diretor e gritou “Seu miserável, você desgraçou a indústria que o fez e sustentou. Você devia ser coberto com alcatrão e penas e ser expulso de Hollywood”.  Wilder, o polonês baixinho e estourado, conseguira mais uma vez chocar todo mundo com uma obra lúgubre, macabra e sensacional.

O diretor revolucionou os filmes americanos repetidamente por toda a década de 1950. Pupilo de Ernst Lubitsch, mas sem seu romantismo, Wilder era fascinado pelos personagens fortes e cínicos e flertava com a crueldade humana na maioria dos seus filmes. Foi assim com Pacto Sinistro onde Fred MacMurray é um agente de seguros que se envolve com uma sedutora mulher (Barbara Stanwick) para juntos assassinarem seu marido e ficarem com o dinheiro. Depois veio Farrapo Humano, um retrato contundente e pesado sobre o alcoolismo, estrelado por Ray Miland, que acabou engavetado por seis meses depois que a Paramount recebeu os piores comentários nas sessões-testes. Finalmente liberado para exibição nos cinemas, conquistou a crítica e acabou dando dois Oscars ao diretor.

Foi aí que, em busca de uma idéia boa, ele e o roteirista Charles Brackett começaram a esboçar uma comédia sobre uma atriz do cinema mudo, decadente, que faz de tudo para recuperar a sua carreira e em um papo com o jornalista da Time-Life D.M. Marshman ouviram a sugestão de acrescentar um relacionamento entre ela e um rapaz bem mais novo.  A isso, Wilder acrescentou: “imagine que ela dá um tiro nele”. O caminho estava aberto para um dos dramas mais contundentes sobre a decadência na terra do cinema.
Crepúsculo dos Deuses é, em parte, autobiográfico, já que Wilder agiu como um gigolô e dançarino de aluguel em sua juventude em Berlim. É também sobre como a indústria do cinema trabalha entre o poder e a fantasia, vivendo do passado e admirando os mais novos. É sobre vergonha, obsessão, oportunismo e a recusa de se aceitar as coisas como elas são. O jovem rapaz transformado em aprendiz de roteirista vê na velha atriz uma chance de ser sustentado enquanto o sucesso não aparece, enquanto ela enxerga nele a única oportunidade de voltar ao estrelato e à atenção dos bons diretores. É óbvio que com uma combinação assim, as coisas não poderiam dar muito certo.

Wilder era fascinado por detalhes e alugou uma mansão decadente na esquina da Crenshaw com Wilshire Boulevard construída em 1924 e como pagamento construiu uma piscina. Colocou vitrais na sala, pesadas e antiquadas cortinas de veludo nas janelas e palmeiras em uma estufa. Cenário pronto, era a vez de escolher atores e como todo grande filme clássico, as alternativas iniciais correram do projeto. Para a atriz, Wilder queria Mae West que, aos 55 anos de idade, achava-se muito nova para interpretar uma representante do cinema mudo. Depois, a veterana Mary Pickford foi escolhida, mas exigiu que seu papel crescesse mais e aí o diretor a vetou. Finalmente Pola Negri, outra grande atriz dos tempos áureos do cinema, também recusou o papel pois se achava jovem pata interpretar uma cinquentona (ela estava com 53 anos na época). Foi aí que o diretor George Cukor indicou Gloria Swanson. Ela também conheceu o estrelato no cinema mudo e, assim como a personagem, estava num ostracismo cinematográfico, há nove anos afastada das telonas. Apesar de uma recusa inicial por não querer fazer um teste, Gloria acabou pegando o papel e ganhou um Globo de Ouro por sua performance e uma indicação ao Oscar.

Dificuldades também apareceram para o principal papel masculino. O talentoso Montgomery Clift havia dado o sinal verde para viver Joe Gillis, mas a duas semanas do início das filmagens caiu fora porque achava que não ia cair bem ele ser visto amando uma mulher mais velha. Acontece que o ator na época estava mesmo envolvido com a cantora Libby Holman, 16 anos mais velha que ele, e tinha medo de ligação uma relação entre fantasia e realidade.  Fred MacMurray gongou o projeto pois não queria interpretar um gigolô. Marlon Brando era um desconhecido e os produtres o vetaram. Gene Kelly não foi liberado pela MGM. Wilder então teve que pegar alguém da lista de atores contratados da Paramount e ficou com o jovem William Holden. Existe, aliás, uma história ótima e real envolvendo o diretor e o ator. Holden começou a criar confusão porque queria conhecer melhor o personagem. Wilder, famoso por sua dureza, respondeu-lhe: “você conhece Billy Holden?”. E quando o ator disse-lhe que sim, ele respondeu “então você conhece Joe Gillis”. Para completar o time foi chamado Erich Von Stroheim, ator e diretor alemão radicado em Los Angeles,  para fazer o papel do mordomo e motorista da personagem com um passado misterioso envolvendo os dois.

A cena inicial foi filmada num necrotério com os cadáveres contando como haviam parado lá (um deles ainda perguntava se alguém sabia qual tinha sido o resultado do jogo dos Dodgers) e é aí que Gillis passa a narrar a sua história. O grande problema é que nas exibições-teste, o público odiou, vaiando, assobiando e arrasando o filme em seus cartões com opiniões. Seis meses depois, Crepúsculo dos Deuses chega às telonas com um novo começo, o corpo de Gillis boiando na piscina da casa e contando como foi parar ali.
Para quem gosta de diálogos marcantes e frases de efeito, o filme é um prato cheio. Quando Holden diz a Swanson, “Você é Norma Desmond. Você trabalhava em filmes mudos. E você costumava ser grande”, ela dispara “Eu SOU grande. Os filmes é que ficaram pequenos” e este diálogo entrou no 24 lugar das 100 melhores frases do cinema do American Film Institute, enquanto “All right, Mr. DeMille, I’m ready for my close-up” ficou em sétimo. Além disso, a revista Premiere considerou a fala “Nós não precisávamos de diálogos. Tínhamos rostos” como a 13a. melhor fala da sétima arte.

Apesar dos percalços, a produção é considerada o 16o. melhor filme de todos os tempos pelo AFI e é um dos 25 escolhidos pela Biblioteca do Congresso americano como “marco cinematográfico”. Graças a ele, Swanson voltou a fazer filmes, Holden se tornou um galã e Wilder continuou reinando em Hollywood, dirindo ainda naquela década A Montanha dos Sete Abutres, Inferno Nº 17,  Sabrina, O Pecado Mora ao Lado, Amor na Tarde, Testemunha de Acusação e Quanto Mais Quente Melhor. Todos excelentes. Holden e Wilder, aliás, fizeram muitos filmes juntos e  foram amigos íntimos até a morte do primeiro em 1981.

Crepúsculo dos Deuses completa 60 anos em 2010. E pode apostar que está mais novo e atual do que nunca. Não assisti-lo é motivo o bastante para ser coberto de piche e penas e ser expulso da cidade.

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