segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Marcello Mastroianni em 3 Dimensões

Publicado no site da revista Alfa em dezembro de 2010
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Marcello Vincenzo Domenico Mastroianni foi, sem dúvida, o maior, mais consagrado e mais conhecido ator italiano. Era um homem bonito, extremamente charmoso, de olhar triste  e uma atitude tranquila, como se se mantivesse alheio aos outros, seja por timidez ou descaso, e com um sorriso muito discreto e melancólico no canto da boca. Uma combinação que encantava as mulheres dentro e fora das telas e que o tornou um tremendo referencial para o publico masculino. E, apesar dessa discrição, preenchia a tela com a força de sua interpretação e com seu carisma.

Nascido em 1924 em Fontana Liri, Marcello teve uma infância paupérrima. Na juventude conseguiu escapar de um campo de prisioneiros de guerra alemão e fugir para Veneza e, estudando arte dramática, acabou sendo descoberto pelo diretor Luchino Visconti, que o colocou como extra em uma adaptação de Os Miseráveis de 1948. Foi somente em meados da década de 1950 que ele alcançou o estrelato, dominando as telas e se tornando o principal ator de Federico Fellini. Apesar de ter sido casado com a mesma mulher a vida toda, teve um romance quente com a estonteante Catherine Deneuve na década de 1970, com quem teve uma filha, Chiara Mastronianni. Quando faleceu, aos 72 anos de idade em 1996, vítima de um câncer pancreático,  a cidade de Roma desligou e cobriu de preto a Fontana de Trevi, cenário da mais famosa cena de sua carreira, aquela onde entra no monumento de madrugada, acompanhado de Anita Ekberg em La Dolce Vita. Era um luto especial para o homem que deixou um legado de 143 filmes, 33 prêmios e três indicações ao Oscar. Tentar relacionar os melhores filmes de Mastroianni é uma tarefa hercúlea. O ator trabalhou com os melhores diretores italianos e também com alguns grandes do cinema americano e inglês como John Boorman e Robert Altman. O ideal, então, é encará-lo por três grandes características que moldaram sua persona na telas de cinema.

Marcello e o anti-sedutor: Mastroianni destestava a pecha de amante latino que os críticos americanos tanto o impingiam, pois dizia ter interpretado um gay, um corno e um impotente e só isso já bastava para não ser um símbolo sexual. Em parte ele tinha razão. Seus personagens sedutores mais famosos estavam longe da imagem do machão caricato. Em O Belo Antônio de 1960, filme dirigido por  Mauro Bolognini e roteirizado por Pier Paolo Pasolini, Marcello interpreta um belíssimo ragazzo, com uma tremenda fama de garanhão, que se casa com a fascinante Claudia Cardinalle e não consegue transar com a esposa, pois a ama tanto e a considera tão angelical, que não quer macular essa beleza. A comédia dramática mexe com grandes tabus italianos (e brasileiros também) como a obrigatoriedade do homem em não falhar na cama, a pressão do pai e dos amigos que não conseguem entender o romantismo  que cerca os seus sentimentos e até mesmo a posição da igreja católica, que não considera um casamento consumado se não houver sexo. Já em Esposamante de 1977, o ator faz o marido de Laura Antonelli, que desaparece quando acusado de um crime e vê sua esposa, antes frígida, não só tomar os negócios da família para si e ser muito bem-sucedida, como também arrumar um amante.  É a inversão de papéis em nome do equilíbrio do casal. Para quem curte romances impossíveis, Olhos Negros de 1987, mostra Marcello como um italiano de meia-idade, narrando a história do grande amor de sua vida, uma russa, que conhece em um spa no começo do século 20 e por quem decide abandonar tudo, país e esposa. Por esse filme, o ator recebeu sua terceira indicação ao Oscar.

Marcello e Snaporaz: Mastroianni foi mais que o ator preferido de Federico Fellini. Foi literalmente seu alter-ego nas telonas. O diretor o apelidou de Snaporaz depois de fazerem seu primeiro filme juntos e acabou utilizando esse nome nos personagens que viriam. A primeira obra conjunta da dupla foi La Dolce Vita de 1960, com o ator interpretando um jornalista de celebridades vivendo entre o glamour dos ricos e famosos e a namorada, neurótica e ciumenta.  É a fantasia frívola contra a dura realidade. Foi a obra que criou o termo paparazzo para os fotógrafos de celebridades; na verdade, o sobrenome de um dos personagens do filme, um fotógrafo. Três anos depois, Mastroianni se torna o próprio Fellini em seu filme mais autobiográfico, 8 1/2, onde faz Guido Anselmi, um diretor de cinema em crise criativa, assombrado por lembranças do passado e por atores e atrizes em busca de uma oportunidade. Em 1980, Snaporaz ressurge com o surreal Cidade das Mulheres, uma crítica mordaz tanto ao feminismo como ao machismo. O ator e o diretor teriam ainda mais duas obras juntos, o sensível Ginger e Fred onde ao lado da esposa de Fellini, Giulietta Masina, mostra a história de um casal idoso que tem a chance de refazer na TV um número musical que os tornaram famosos décadas antes, imitando Fred Astaire e Ginger Rogers. O filme fica entre o lirismo da volta ao passado e a acidez na crítica à televisão moderna. E, finalmente, em 1987, Marcello participa de Intervista, o falso documentário do genial diretor.

Marcello e Sophia: de Ontem, Hoje, Amanhã de 1963 a Pret-a-Porter de 1990, Marcello e Sophia Loren fizeram 14 filmes juntos e criaram uma das mais belas e bem-sucedidas duplas da história do cinema mundial. O primeiro filme da dupla, dirigido pelo mestre Vittoria de Sica, contava três histórias sobre desencontros de casais, todos interpretados pelos dois. Em Matrimônio à Italiana, no mais típico gênero da comédia de erros italiana, Marcello faz um homem de negócios que mantém um caso com uma ex-prostituta depois da II Guerra e ela cria situações incríveis para que os dois se casem. Já no drama Os Girassóis da Rússia de 1970, Loren faz a mulher que não quer descansar enquanto não achar o marido, desaparecido na então União Soviética durante a II Guerra. O desfecho surpreendente é de levar lágrimas aos olhos. O filme considerado como melhor da dupla, porém é Um Dia Muito Especial de 1977. Nele, Sophia interpreta Antonietta, uma mulher casada cuja família sai para ver o histórico encontro de Hitler com Mussolini. Infeliz no casamento com um marido machsita e ainda por cima fascista, ela decide se matar quando conhece Gabriele, seu vizinho homossesual.  O dia que passam juntos acaba por mudar suas vidas e seus valores. Dirigido por Ettore Scolla, ganhou o Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro.

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