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Julgamento em Nuremberg de Stanley Kramer é um desses clássicos perdidos, que pouca gente conhece, mas quem viu não esquece e não deixa de ser fã. Eu mesmo fui arrebatado pela força deste filme na década de 1980, quando a TV Globo nos brindava com obras geniais do cinema, LEGENDADAS, nas madrugadas de sexta para sábado. É um desses filme que reúne ingredientes perfeitos: uma constelação de estrelas de Hollywood com um roteiro brilhante e um tema polêmico, no caso, o julgamento de juízes nazistas que condenavam judeus à torto e à direito.
O que encanta nesse filme é justamente o tratamento que o roteiro de Abby Mann deu ao grande conflito entre aliados e nazistas, transportando-o para dentro de um tribunal. O ator alemão Maximillian Shell, que faz o advogado de defesa dos juízes e que acabou levando o Oscar por seu trabalho, vai reproduzir toda a retórica e discurso de ódio dos partidários de Hitler para salvar seus clientes, enquanto os americanos ficam divididos em cumprir um papel de “vingadores do mundo” (no caso, o promotor Richard Widmark) ou tentar contentar os alemães para terem apoio contra os comunistas.
As vozes da razão nessa questão toda sairão também de um alemão e de um americano. Burt Lancaster, talvez no maior e melhor papel de sua vida, faz o ex-chefe do STF nazista, Ernst Jannings e passa calado a maior parte dos 186 minutos de filme, até o momento em que resolve falar e é nesse discursso que surge a culpa de um povo e o que acontece quando resolvemos olhar para o outro lado enquanto as coisas acontecem no país:
Qual a diferença se alguns extremistas políticos perdessem seus direitos? Que diferença fazia se algumas minorias raciais perdessem seus direitos? Era só uma fase passageira, um estágio pelo qual passávamos. Chegaria ao fim, cedo ou tarde. O próprio Hitler chegaria ao fim, mais cedo, ou mais tarde. (…) E um dia nós olhamos em volta e vimos que corríamos um perigo ainda maior. O que iria ser uma fase passageira havia se tornado o modo de vida. (…) Meu advogado tentará faze-los acreditar que não sabíamos dos campos de concentração. Não sabíamos? Onde estávamos? Onde estávamos quando Hitler instilou seu ódio nos palanques? Onde estávamos quando nossos vizinhos foram levados de madrugada para Dachau? Onde estávamos quando cada vilarejo na Alemanha tinha um terminal de trem onde vagões de gado eram lotados de crianças a serem exterminadas? (…) Estávamos surdos? Mudos? Cegos? Ele diz que não sabíamos do extermínio de milhões. Ele dará a desculpa de que só sabíamos do extermínio de centenas. Isso nos faz menos culpados? Talvez não sabíamos dos detalhes. Mas não sabíamos porque não queríamos saber.
Do outro lado está a figura do juiz americano Haywood, interpretado por Spencer Tracy. Mais do que simplesmente sentar em um palanque e julgar, ele quer entender o que aconteceu na Alemanha, compreender o povo alemão e passa a se envolver com uma viúva alemã, Marlene Dietrich. Dietrich aliás, que fez um trabalho intenso na II Guerra junto aos soldados americanos, chegou a passar mal em uma das cenas quando justificava que o povo alemão nada sabia das atrocidades cometidas por seu governo. Por mais que a personagem exigisse que ela dissesse isso, a atriz não conseguia conceber tamanha falta de cidadania. Só que é nas conclusões finais do juiz, ao fim do julgamento, que teremos a grande lição:
O destino de Janning ilumina a verdade mais cruel que emergiu deste julgamento. Se ele e todos os outros réus fossem pervertidos degenerados, se todos os líderes do III Reich fossem monstros sádicos e maníacos, então esses eventos não teriam mais implicações morais do que um terremoto ou outra catástrofe natural qualquer. Mas este julgamento mostrou que sob uma crise nacional, homens comuns, até homens capazes e extraordinários podem se iludir e perpetrar crimes tão vastos e hediondos que excedem nossa imaginação. (…) Uma decisão deve ser tomada na vida de qualquer nação no momento em que o inimigo lhe agarra o pescoço e parece que a única forma de sobreviver é usar os meios do inimigo. Deturpar a sobrevivência de forma mais convincente e olhar para o outro lado! Porém a resposta a isso é: “Sobreviver como o que?”! Um país não é uma rocha, é a extensão de nós mesmos. É o que ele defende, quando defender algo é o mais dificil!
Julgamento em Nuremberg tem no elenco ainda William Shatner (que anos depois seria o Capitão Kirk de Star Trek), Werner Klemperer (o Comandante Klink de Guerra, Sombra e Água Fresca), Judy Garland (seu primeiro filme em sete anos, depois de Nasce uma Estrela) e Montgomery Cliff. Cinquenta anos depois de seu lançamento, ainda é um filme atual e uma lição de cidadania, obrigatório para nós brasileiros que tanto nos assustamos com os absurdos vistos no noticiário politico nacional.
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