quarta-feira, 1 de abril de 2009

História do mundo é repleta de mentirosos bem-sucedidos

Publicado no Terra em 01 de abril de 2009
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O primeiro de abril é uma data que no mundo todo é celebrada com muita criatividade e, aqui no Brasil, com piadinhas idiotas. A origem da comemoração é obscura. Uns dizem que foi por causa da mudança do calendário mundial, do juliano para o gregoriano, quando 1º de janeiro passou a ser o início do ano. Como a comunicação na época era precária, algumas pessoas celebravam o Réveillon entre 25 de março e primeiro de abril.

Tudo isso pode ser mentira, porque há quem acredite que o significado da data vem do tempo de Noé, que teria mandado um corvo, bem antes do tempo correto, para ver se as águas do dilúvio que atingiu a Terra já haviam baixado. O corvo não voltou e a data marcou o primeiro dia do calendário hebreu, em abril.

Seja qual for a origem de 1º de abril, é tradição no meio jornalístico e publicitário se criar factóides para sair nesta data, como por exemplo uma emissora holandesa noticiar a queda da Torre de Pisa nos anos 50 ou a rede Burguer King ter divulgado a invenção de um sanduíche especial para canhotos em uma propaganda nos anos 90.

Quando as mentiras são criadas para divertir, ótimo, mas a história do mundo é feita de governantes contando lorotas para o povão engolir e assinar embaixo de seus desmandos. Também registra pessoas que foram espertas o bastante para lucrar financeiramente com suas falácias (aquelas mentirinhas bem-educadas, segundo definiu o escritor e jornalista Luis Fernando Veríssimo). Confira, abaixo, alguns dos mentirosos e mentiras clássicas:

O morto que ganhou a batalha
Na Segunda Guerra Mundial, os aliados já estavam limpando o norte da África e a invasão da Europa estava eminente. Para conseguir subir a Itália, o melhor caminho seria através da Sicília, mas ela estava repleta de tropas alemãs. Foi aí que dois membros da inteligência britânica, Owen Montagu e Sir Archibald Cholmondley vieram com uma idéia genial.

Pegaram um cadáver, morto por pneumonia, vestiram-no de mensageiro, algemaram uma pasta com informações secretas falando de uma invasão pela Grécia, e deram-no o nome mais comum entre os oficiais britânicos: William Martin. Daí foi só jogar o defunto na costa da Espanha, divulgar o nome do cara como desaparecido e pronto. Os homens do ditador Franco entregaram o defunto para os alemães, que copiaram tudo que havia na pasta. Então, devolveram aos espanhóis, que por sua vez retornaram aos ingleses. E lá se foram todos os nazistas para a Grécia deixando a Sicília desprotegida. O resto é história.

A ameaça judaica
Além de apanharem como uns desgraçados na história do mundo, os judeus já foram envolvidos em tramas macabras. Lendas na Idade Média acusavam judeus de se banharem em sangue de crianças cristãs e isso era o bastante para perseguições sem fim. Recentemente, veio a história do Protocolo dos Sábios do Sião, um documento que contaria a idéia judaica de dominar o mundo, mas que na realidade teria sido escrito por políticos russos para influenciar o czar Nicolau II.

Obviamente, Hitler usou isso em sua intensa campanha nazista, fazendo com que o povo alemão odiasse os judeus, mesmo se conhecesse o cara desde criança. Ainda dentro do tema, a França do final do século 19, condenou à prisão um oficial do exército, Alfred Dreyfus, acusado de traição e espionagem. No final, comprovou-se que todas as justificativas do exército e do governo eram só causadas por anti-semitismo mesmo e entrou nos anais da justiça mundial como uma das mais graves mentiras já contadas e mudou a face da política francesa para sempre.

A grande mentira científica
Esqueça aquela velha história da grande revista brasileira que caiu em uma piada de primeiro de abril e publicou que haviam desenvolvido o "boimate", uma mistura genética de boi com tomate que permitiriam hambúrgueres já com ketchup. A maior falácia do mundo da ciência foi mesmo o "Homem de Piltdown". Em 1910, o arqueologista Charles Dawson descobriu os ossos do que seria chamado de elo perdido na evolução humana e o levou ao famoso paleontologista Arthur Smith Woodward que comprovou sua autenticidade.

Foi um auê na comunidade, mas em 1950 estudos mostraram que tratava-se de uma farsa, com uma mandíbula de orangotango presa a um crânio de apenas 600 anos. Hoje todos acham que a culpa da confusão toda foi de Martin A. C. Hinton, um voluntário no museu de Woodward, que misturou as peças para embaraçar seu chefe, que se recusava a lhe dar um salário.

Os dois homens que enganaram os nazistas
Existem duas figurinhas que estão no rodapé dos livros de história, mas cujas histórias são cinematográficas. Franz Tausend era um alemão fascinado por falsificação de dinheiro desde criança e que começou a enganar empresários alemães com sua descoberta de transformar qualquer metal em ouro. Obviamente que a maravilhosa experiência chegou aos ouvidos de Adolf Hitler, ainda um jovem político, que passou a investir no "cientista". Em 1929, a farsa foi descoberta e Hitler teve que esperar chegar ao poder para vingar-se. Nos relatos oficiais, Tausend morreu na prisão em 1939.

Já Han Van Meegeren foi um holandês que fez o grande militar alemão Hermann Goering de idiota e quase foi executado por isso. Quando a guerra acabou encontraram inúmeras obras de arte na casa de campo do alemão, entre elas do artista holandês Vermeer. O governo dos Países Baixos achou as notas de venda e prendeu Meegeren como traidor da nação, crime passível por morte. Só que Han vendeu falsificações feitas por ele mesmo e provou isso pintando um quadro no tribunal, em frente a juízes e advogados. Ele foi condenado a apenas um ano de prisão por falsificação, tornou-se herói nacional, mas faleceu de enfarte apenas 60 dias depois de chegar à prisão.

Políticos & mentiras
Parece que as duas coisas andam lado-a-lado, mesmo porque ninguém acredita em promessas de campanhas, por mais que elas estejam registradas em cartório e tudo mais. Entre tantas historinhas inventadas no governo militar para justificar suas matanças, uma ainda é uma grande mácula: o caso Riocentro. No dia primeiro de maior de 1981, em um show em homenagem ao Dia do Trabalhador no Rio de Janeiro, um carro Puma com dois oficiais do exército explodiu no estacionamento do Pavilhão Riocentro, na cidade maravilhosa, matando seus dois ocupantes militares.

Apesar de ter sido provado, até por confissões, que as bombas eram carregadas pelos dois ocupantes para causar tumulto e morte no show, o governo de João Figueiredo livrou a cara da linha-dura do exército, emitindo um parecer oficial que os dois foram vítimas de um atentado da esquerda. A vergonha foi tão grande, que o grande mago dos governos militares, Golbery de Couto e Silva pediu demissão e se afastou de vez da política. Recentemente tivemos o nosso presidente negando saber do mensalão, apesar de todos seus principais assessores e braços-direito (e esquerdos também) estarem envolvidos.

O governo americano da segunda metade do século XX e o do começo deste século, também colaboraram e muito para aumentar a fama dos políticos. Nixon aprontou pacas na presidência, e negou o caso Watergate veementemente. Clinton traçou uma estagiária feinha e gordinha e disse que não. E finalmente George W. Bush achou armas de destruição em massa no Iraque, só que foi só ele.

Enquanto isso nos livros de história do Brasil...
A história é contada pelos vencedores, certo, por isso nunca vamos saber o que rolou mesmo. Só que é difícil engolir que Cabral descobriu o Brasil por acaso quando os portugueses já sabiam que havia terra aqui antes do Tratado de Tordesilhas. Dom Pedro I declarou a independência porque amava o Brasil varonil, certo? Na realidade ele simplesmente manteve os negócios na família, a conselho do pai, já que todos aqui queriam se livrar dos portugueses e era melhor um cara da turma que um independente.

Além do retrato da independência ser uma obra ficcional (Pedro estava com diarréia e montava um jegue no Ipiranga), nós da filial, ainda pagamos indenização à matriz pelo ato. Já o Duque de Caxias foi sim um militar brilhante, mas extremamente cruel. Reza a lenda, que na Guerra do Paraguai, não hesitava em massacrar cidades inteiras e até fama de guerra bacteriológica levou, uma vez que mandava jogar corpos de pessoas infeccionadas por cólera nos rios que abasteciam vilas inimigas.

Tiradentes, no final das contas, foi um coitado que usaram de bode expiatório na Inconfidência para não matar os ricos e poderosos envolvidos. Morreu por acaso e virou símbolo. E finalmente, Deodoro da Fonseca, o patriarca da república, era na realidade amigo íntimo e pessoal de Pedro II, este sim, um grande republicano. Em tempo, Lampião era cruel e psicótico e Getúlio já foi chamado de racista em revisões históricas. Só que quando a lenda é maior que a realidade, preserva-se a lenda.

E mais algumas rapidinhas que viraram filmes
- Ana Anderson ou Franziska Schanzkowska se passou pela Princesa Anastácia da Rússia, filha do Czar Nicolau, executado pelas forças comunistas e enganou meia Paris nos anos 1920.

- Ma Barker ficou famosa em livros, filmes e até música da época das discotecas (do grupo Boney M), como a líder de uma gangue formada por seus filhos. Ela não era. Na realidade foi uma mentira inventada pelo chefe do FBI, J. Edgar Hoover, para justificar a morte acidental da anciã, fuzilada pelas forças policiais.

- Conde Victor Lustig é considerado um dos maiores trapaceiros de todos os tempos porque não só vendeu a Torre Eifell várias vezes como também enganou o famoso gangster Al Capone (e saiu vivo para contar a história).

Um comentário:

Marcelo Tadeu disse...

O "morto que ganhou a batalha" e o "Conde Victor Lustig" são muito boas!!!
Em relação as do Brasil, precisaria de um espaço exclusivo para escrever sobre isso...