terça-feira, 9 de agosto de 2011

‘A Encruzilhada’, o pequeno clássico do Blues

Publicado no blog da revista Alfa em julho de 2011
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Li na última edição de Veja que um pequeno clássico dos anos 80 está sendo relançado no Brasil em DVD. É A Encruzilhada, filme de 1986 que marcou a juventude de muita gente e acabou introduzindo uma leva grande de moleques no blues. É um daqueles filmes despretenciosos, leves e puros que presta uma homenagem sincera ao ritmo já chamado de “dor de corno americano” e consegue mostrar e refletir todos os aspectos dessa forma musical que inspirou Rolling Stones, Bob Dylan, Eric Clapton e uma centena de roqueiros famosos.


Contando a história de um moleque de 17 anos de idade, prodígio no violão clássico e fanático pela melodia dolorosa do sul dos EUA, que encontra um antigo parceiro do lendário bluesman Robert Johnson em uma prisão para terceira idade e parte para o Mississipi em busca da perdida 30a. canção do músico (Johnson teria gravado somente 29), A Encruzilhada vai brincando com o mundo do blues, desde os músicos que vendem a alma ao demônio para conseguir a maestria nos instrumentos, à dor da separação como inspiração para tocar, passando, obviamente, pela vida de vagabundo nas estradas do interior.

O filme foi uma confluência de talentos vindos de outros clássicos da época e muitos deles sumiram depois, sem deixar muitos vestígios:
1) O personagem principal foi interpretado por Ralph Macchio, recém saído do megasucesso Karate Kid que treinado pelo guitarrista Arlen Roth, não faz feio dublando um músico verdadeiro. Depois da continuação das aventuras de Daniel San, o rapaz nunca mais fez sucesso.
2) No papel de Willie Brown, o velho gaitista bluesman, estava Joe Seneca, então com 67 anos de idade, que já havia sido cantor e que chamou a atenção dos críticos com uma pequena participação em O Veredito de 1982 e Silverado de 1985.
3) A gatinha Jami Gertz faz o par quase romântico de Macchio e depois participaria de mais dois filmes marcantes dos anos 1980: Os Garotos Perdidos e Abaixo de Zero para depois cair no ostracismo.
4) Não podemos esquecer da participação marcante do virtuoso da guitarra, Steve Vai, então com 25 anos de idade, como o guitarrista do diabo, no duelo de guitarras mais marcante da história das telonas (Va, na verdade, tocou as duas partes).
5) A trilha sonora e os solos de blues do menino foram tocados pelo ótimo Ry Cooder, que estourara em 1984 fazendo a música do cult Paris, Texas de Wim Wenders.
6) E, finalmente, a direção é de Walter Hill, que nos brindou com grandes classicos como Cavalgada de Proscritos, Warriors – Selvagens da Noite (este, se você não viu, não sabe o que está perdendo), 48 Horas (que mostrou que Eddie Murphy podia fazer filmes sérios sem perder a graça) e um dos musicais mais kitchs e memoráveis já produzidos, Ruas de Fogo (que imortalizou a canção ‘I Can Dream About You’). Apesar deste currículo, Hill não conseguiu fazer sucesso nos anos 1990 e acabou dirigindo o seriado Deadwood para a TV.

 Esqueça aquele amigo músico que vai dizer que Macchio dubla bem mas erra na mão direita. Esqueça aquele cunhado que sabe tudo e vai dizer que o filme comete o crime de colocar Willie Brown como gaitista, porque na vida real ele era guitarrista (e dos bons). Esqueça aquele tio que dirá que o solo que o menino faz no final é ‘Capricho Número 5′ de Paganini (1782-1840), uma vez que ele foi o primeiro músico carregar a fama de  ter vendido a alma ao tinhoso em troca de talento (e mais de um século depois inspiraria outro guitarrista infernal, Yngwie Malmsteen). Esqueça tudo isso e curta A Encruzilhada, mesmo se você não é o maior fã de blues. E, se gostar, corra atrás da trilha sonora.

The blues ain’t nothin’ but a good man feelin’ bad,
thinkin’ ’bout the woman he once was with.


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