sexta-feira, 16 de setembro de 2011

‘Sindicato de Ladrões’: entre o dedodurismo e fazer o certo

Publicado no site da revista Alfa em agosto de 2011
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Em tempos onde a cada escândalo político os nossos homens na Capital Federal ficam mais preocupados em saber quem vazou informações do que descobrir se seu parceiro de partido é mesmo desonesto, nada mais interessante e atual que assistir um dos maiores filmes norteamericanos de todos os tempos, Sindicato de Ladrões de 1954.

Este é um clássico que só tem predicados. Ganhou oito Oscars (melhor filme, diretor, ator, atriz coadjuvante, roteiro, fotografia em P&B, edição e direção de arte em P&B), é considerado o melhor trabalho de Marlon Brando e o American Film Institute o encheu de prêmios quando foi escolher os 100 maiores do século – pegou 8o lugar entre os melhores filmes, 23o como melhor herói para o personagem de Marlon Brando, 3o lugar entre as melhores frases de filmes (“Você não entende! Eu poderia ter classe. Eu poderia ter sido um lutador. Eu poderia ter sido alguém em vez de um vagabundo, que é o que eu sou”), 22o lugar entre as trilhas sonoras, entre outros. Até mesmo o Vaticano, em 1995, o elegeu um dos 45 melhores filmes de todos os tempos.

Sindicato de Ladrões tem sua ação passada nos portos de Hoboken em New Jersey, onde mafiosos dominavam o sindicato de estivadores. Qualquer um que decidisse colaborar com o comitê de investigações criminais do governo tinha um fim terrível. O ex-boxeador tornado portuário Terry Malloy (Brando) acaba entrando em crise de consciência quando, inadvertidamente, ajuda os bandidos a matar um “canário” (ou seja, um cara que “canta” para a polícia). A coisa complica mais ainda para ele quando se apaixona pela irmã do defunto (Eva Marie Saint em sua estréia nas telonas) e ele fica entre a lealdade a ela ou a seu irmão (o sempre ótimo Rod Steiger), braço direito do chefão Johhny Friendly (Lee J. Cobb). Ainda para colocar mais lenha na fogueira, um padre (Karl Malden) está incentivando os trabalhadores a dedar as atividades criminosas.

Numa época onde os americanos ‘baby boomers’ estavam começando a ver que seu país não era aquele idílio terrestre com perseguição a esquerdistas, limitação dos direitos individuais e a guerra fria começando com toda a força, o filme caiu como uma bomba e fez um sucesso imediato. Acontece que a história por trás das filmagens é tão ou mais interessante que o próprio clássico.

A idéia do roteiro veio de uma série de reportagens publicadas em 1949 no jornal New York Sun pelo jornalista Malcolm Johnson, mostrando a corrupção nas docas de Manhattan e do Brooklin. O diretor Elia Kazan e seu amigo, o teatrólogo Arthur Miller, escreveram a história para as telas e apresentaram aos estúdios, que pediram para substituir os mafiosos por comunistas. Miller recusou-se terminantemente e foi enquandrado como “anti-americano”. Em 1952, Kazan, para preservar sua carreira e continuar  dirigindo filmes, deu declarações espontâneas para o Comitê de Atividades Anti-americanas do Senador MacCarthy e sua atitude acabou com a vida profissional de muita gente. Miller rompeu com o parceiro e Kazan chamou outro ‘dedo-duro’, Budd Schulberg para dar um trato no roteiro (mantendo os mafiosos).

Os estúdios queriam alguém de peso para estrelar o filme e chamaram Marlon Brando, que num primeiro momento recusou. Frank Sinatra se ofereceu a fazer o papel de Malloy, mesmo porque era de Hoboken e conhecia as condições dos homens do porto, mas o jovem olhos azuis ainda não era “O SR. Sinatra” e assim o ator Karl Malden fez uma artimanha para conseguir conquistar Brando. Pegou seu maior rival de Actor´s  Studio e fez com que Kazan filmasse uma cena com ele e a atriz Joanne Woodward. Brando assistiu a cena e fechou o contrato com o estúdio para desgosto e ódio de Frank Sinatra. Em tempo, o ator desconhecido que fez a cena proposta por Malden era um jovem Paul Newman que, anos depois, se casaria com Joanne Woodward e faria história no cinema.

É interessante notar que os outros atores do filme vieram de teatro (como Steiger) ou eram pessoas que realmente trabalhavam nas docas. Os próprios guarda-costas do chefão Friendly era antigos boxeadores. Também é de se destacar a interpretação de Marlon Brando. É através dele que temos as grandes cenas do filme como ele brincando e vestindo uma luva de Eve Marie Saint (algo que fez naturalmente nos ensaios e Kazan incorporou à cena), a famosa cena do taxi com Steiger (que ficou eternamente magoado porque nas cenas de close ele estava sozinho, já Brando saiu do set para ir à terapia) e a cena final, com seu andar cambealeante para desafiar o poder local.

Para muitos, Elia Kazan justificou sua atitude em entregar colegas ao Comitê, através da decisão tomada por Malloy no filme. De qualquer forma, o diretor de tantos filmes excelentes como A Luz é para Todos, Uma Rua Chamada Pecado, Vidas Amargas e Clamor do Sexo nunca conseguiu se desatrelar da fama de alcagueta. Em 1999, causou polêmica a decisão premiá-lo com um Oscar Especial pela sua obra, mas como disse Gregory Peck “o trabalho de um homem deve ser separado de sua vida pessoal”. E assim, sob algumas vaias e muitos aplausos, Kazan recebeu sua estatueta das mãos de Robert De Niro e Martin Scorcese e Sindicato de Ladrões continuará sempre como uma das mais belas peças sobre fazer o certo e defender o justo, apesar de toda oposição em contrário.

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