quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Os 20 anos da mais bela fábula para adultos

Publicado no site da revista Alfa em desembro de 2010
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Parece que foi ontem, mas Edward Mãos de Tesoura, o filme que transformou Tim Burton no contador oficial de fábulas para adultos dos novos tempos e Johnny Depp em um dos maiores ícones masculinos da nova geração, completa 20 anos no próximo dia 14 de dezembro. É, de longe, o mais delicado filme do diretor, com a figura do homem puro e amoroso que é impedido de dar carinho por possuir mãos letais, tendo que enfrentar a falta de sensibilidade da classe média fútil que invade os subúrbios americanos (embora isso não seja exclusividade deles, aqui é a mesma coisa).
É também sua produção mais pessoal. Edward era Burton e vice-versa, o homem deslocado e esquisito no meio de tanta gente dita normal e Tim nunca negou que foi sua infância na California que o inspirou a fazer esse filme.  É dessa catarse pessoal do diretor que surgem momentos brilhantes na história como o ser sintético ser descoberto por uma representante da Avon (algo consumista pacas) ou ter que usar seu talento e imaginação para fazer coisas totalmente fúteis como penteados e cortes em pelos de cachorro, para assim conquistar a simpatia de pessoas de mente tão limitada.

No fundo é um belo e triste conto, com muitos significados e muita história envolvendo a produção e os atores. Para começar, a Warner, sabe-se lá porque, vendeu os direitos da história à Fox que deu liberdade total ao diretor para desenvolver a produção. Burton inicialmente queria fazer dele um musical, mas desistiu depois de considerar que seria grande e trabalhoso demais. Outra curiosidade interessante é que  aquele bairro suburbano no filme existe de verdade e fica na região de Tampa Bay em Lutz na Flórida. A produção só precisou precisou pintar as casas em tons pastéis e pronto. O cenário estava feito.

Entre as homenagens da história está Vincent Price como “o inventor”. O decano ator ficou marcado pelos papéis que interpretou no cinema de horror, em especial nos filmes da Hammer, geralmente como alguém sedento de vingança como em Dr Phibes e As Sete Máscaras da Morte e já havia sido louvado pelo diretor no curta Vincent, onde narrou a história . Em Edward, porém, ele é um cientista de bom coração que desenvolve um “filho” sintético, mas na hora de substituir suas tesouras por mãos de verdade, acaba morrendo. Price já estava com as condições de saúde muito debilitadas graças a um câncer de pulmão e um edema, mas aceitou o papel que Burton desenvolveu especialmente para ele e esta acabou sendo sua última aparição no cinema.

O filme marcou a primeira parceira de Tim Burton com Johnny Depp. O último começou sua carreira como uma das vítimas de Freddy Kruger no primeiro filme da cinessérie A Hora do Pesadelo e participava do seriado Anjos da Lei. Depois de uma experiência com o independente e louco diretor John Waters em Cry-Baby, veio a oportunidade de fazer o personagem-título de Burton, já que Tom Cruise (que queria um final feliz), Robert Downey Jr e -- pasmem -- Michael Jackson, foram descartados. É notável que a interpretação de Depp se assemelhe muito à de Conrad Veidt em O Gabinete do Dr. Caligari, classição do expressionismo alemão, que, diga-se de passagem, inspira e muito o diretor Tim Burton e com os trejeitos e maneirismos de Chaplin no auge do cinema mudo. Foi o bastante para transformar Depp em um astro e o sucesso do filme contruiu uma sólida parceria entre ele e Burton e os dois acabaram trabalhando juntos depois em Ed Wood, A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, A Fantástica Fábrica de Chocolate, A Noiva Cadáver, Sweeney Todd -- O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet e Alice no País das Maravilhas e, para 2012,  a dupla volta com Dark Shadows.

Outro colaborador constante de Burton é o compositor Danny Elfman, ex-líder e vocalista do grupo Oingo Boingo. Os dois já haviam trabalhado juntos em Pee-wee’s Big Adventure , Os Fantasmas se Divertem e Batman até aparecer a chance de fazer a belíssima trilha de Edward, depois que Robert Smith do grupo The Cure recusou por estar encerrando a produção de um disco. Elfman diria em entrevistas posteriores que, de todos os filmes que musicou, a trilha de Edward Mãos de Tesoura é a sua favorita.

Edward Mãos de Tesoura acabou sendo um sucesso de público e crítica. Apesar da história mais gótica e densa, a química entre Depp e Winona Ryder, então noivos na vida real, encantou as pessoas e fez com que o filme faturasse, globalmente, US$ 86 milhões (contra uma produção de US$ 20 milhões). Foi largamente louvado pela mídia, (só massacrado pelo famoso crítico Roger Ebbert), e o New York Times conseguiu achar a  ótima definição desta obra obrigatória: “Edward Mãos de Tesoura é um conto de gentileza incompreendida e criatividade sufocada, do poder da civilização para corromper a inocência, da beleza descuidada e de um monstro de bom coração. O filme, se arranhado com algo muito menos acentuado do que os dedos de Edward, revela com orgulho adolescente, lições para todos nós”. Sendo assim, o melhor é assisti-lo de novo e achar as suas lições, agora 20 anos depois.

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