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“Gostosinho, mas americano demais, né?” disse minha namorada, uma mulher que gosta muito de cinema sem ser cinéfila de carteirinha, ao final de O Discurso do Rei. Depois tudo que li e ouvi a respeito do filme, essa foi a opinião mais contundente e correta. Em um Oscar onde o tom é dado por filmes de superação, especialmente no mundo masculino, a obra de Tom Hooper cai como uma luva. Hollywood adora filmes sobre a realeza inglesa, tramas enaltecedoras e romances históricos. No caso, o filme acompanha a história do pai da rainha Elisabeth, Albert, gago, inseguro e nervoso, em sua ascenção não planejada ao trono inglês, depois que se irmão renunciou e o tratamento que o fez dominar seu problema de fala.
Muito já foi dito sobre os erros históricos do filme, como esconder a admiração de George e de seu irmão Edward por Hitler, que sua gagueira não foi curada às vésperas de II Guerra e que não foi bem seus discursos que se tornaram símbolo da resistência inglesa naquele conflito e sim os de Churchill. Até mesmo o IMDB está repleto de menções de anacronismo nas cenas, como objetos, expressões e quadros que não existiam na época em que se passa a história, mas quem se importa? O Discurso do Rei foi feito para você sair feliz do cinema e, aparentemente, para ganhar prêmios. Sendo menos ácido, o filme realmente nos faz pensar no que é ter que assumir uma posição de chefia subitamente, quando não estamos mesmo preparados. No caso de George VI, o desafio foi enorme e ele acabou sucumbindo a um câncer em 1952, muito devido ao fato de nunca ter pretendido ser rei.
Colin Firth está realmente bem no papel principal, mas na minha opinião não é a performance memorável que todos pregam. Ele é um tremendo ator e atuar nesse filme foi a chance de uma vida, já que Paul Bettany desistiu (e se arrependeu) da empreitada, mas não é um daqueles personagens tão desafiadores assim, ou seja, ele faz cara de sofredor, gagueja e berra de vez em quando, mas existem outros por aí que fariam o mesmo. De qualquer maneira, Firth já levou os prêmios BAFTA, British Independent e o Globo de Ouro, entre outros. Deve somar o Oscar a esse rol, para o azar de James Franco, esse sim, merecedor da estatueta por carregar o filme 127 Horas nas costas. Helena Bonham Carter está perfeita no papel de “Helena Bonham Carter em filmes de Jane Austen”, mas quem realmente impressiona é Timothy Spall (o Peter Petigrew de Harry Potter). Seu Churchill é o pior da história do cinema.
O Discurso do Rei me lembrou outra obra inglesa, essa sim, de tirar o chapéu: As Loucuras do Rei George de 1994. O filme – ótimo – tinha os monstros do teatro inglês, Nigel Hawthorne e Ian Holm, além de Helen Mirren e Rupert Everett e também mostrava como um problema com o rei da Inglaterra (no caso George III com porfíria, que leva à insanidade) foi resolvido usando métodos não tradicionais para a época. Ele foi baseado em uma peça teatral chamada “As Loucuras de George III”, mas o grande Hawthorne pediu para que alterassem o nome do filme pois, em sua opinião, a menção do “3o.” faria com que os americanos achassem que se tratava de uma sequência. Se ele tivesse assistido O Discurso do Rei, chegaria à conclusão que até mesmo os monarcas ingleses sucumbem aos modos e gostos da antiga colônia.
A corte inglesa no Oscar
O Homem que não Vendeu sua Alma (1966): a história de Thomas More que perdeu a vida ao desafiar seu então amigo, Rei Henrique V, não aceitando romper com a igreja católica, levou seis Oscars (melhor ator, filme, diretor, roteiro adaptado, figurino e fotografia).
Coração Valente (1995): desta vez o premiado foi um personagem que deu uma dor de cabeça tremenda aos ingleses, o escocês William Wallace. Levou melhor filme, direção, fotografia, edição de som e maquiagem.
Sheakespeare Apaixonado (1998): o maior dos bardos virou personagem de ficção nesse filme insosso que ganhou melhor atriz, atriz coadjuvante, direção de arte, filme, figurino, música e roteiro original.
Reis, Rainhas e ministros ingleses premiados com Oscar de Melhor Ator ou Atriz:
1929 – George Arliss em Disraeli, o primeiro ministro inglês que garantiu o Canal de Suez para o império
1932 – Charles Laughton em Os Amores de Henrique VIII, o monarca britânico que matava suas esposas para se casar com a seguinte
1966 – Paul Scofield em O Homem que não Vendeu sua Alma
1968 – Katherine Hepburn em O Leão no Inverno como Eleanor da Aquitânia e suas tramas para levar o filho, Richard ao trono
1998 – Gwinelth Paltrow por Sheakespeare Apaixonado
2006 – Helen Mirren por A Rainha, como Elisabeth (a filha de George VI)
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