quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

‘127 Horas’ não é para qualquer um (mas vale a pena)

Publicado no site da revista Alfa em fevereiro de 2011
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127 Horas é um dos filmes mais desconcertantes, claustrofóbicos e desafiadores que você poderá ver este ano. Ele incomoda, faz com que você não tenha posição na cadeira e é difícil de assistir, especialmente quando se sabe o desfecho. E também não é destinado a aqueles que tem estômago fraco. Apesar disso, o filme se sobressai entre a safra que concorre ao Oscar. É interessante, simples, bem conduzido, muito bem fotografado e também acaba servindo de lição para aqueles que – em tempos de exposição gratuita no Youtube – não medem esforços  para aparecer, forçando os limites físicos e do bom senso.

O filme é baseado nos cinco dias mais terríveis na vida do americano Aron Ralston. Em 2003, ele saiu – sozinho – para passear nos canions de Utah, lugar que já estava totalmente familiarizado e um acidente fez com que uma rocha imobilizasse seu braço em uma fenda na montanha. Tentando sobreviver, Aron sofreu alucinações, bebeu a própria urina e por fim, acabou amputando o membro preso para escapar daquela prisão pétrea. E tudo isso registrando os momentos de dor e desespero em uma câmera de vídeo. A experiência rendeu o livro Between a Rock and a Hard Place.

Os méritos de 127 Horas caem sobre Danny Boyle e James Franco. O primeiro, consagrado por obras como Sunshine, Extermínio e o superestimado Quem Quer Ser um Milionário, impõe um clima de videoclipe ao filme, utilizando-se de flashbacks e das já citadas alucinações (sua especialidade) e de uma edição ágil para não entediar a platéia. Tirei o chapéu para a sequência onde Aron está morrendo de sede e o filme apresenta um grande clipe com cenas de propagandas de refrigerante. É impossível não sentir vontade de beber algo naquele momento.

Já quem carrega os 94 minutos de ação nas costas é James Franco, que além da saga Homem-Aranha, foi o namorado de Sean Penn em Milk. Assim como aconteceu com Colin Firth em O Discurso do Rei, Franco não foi a primeira escolha para o papel já que Boyle queria Cillian Murphy (o espantalho de Batman Begins). Ao contrário de Firth, é probável que ele não leve o Oscar de Melhor Ator (embora merecesse). Sua interpretação humana, carismática e leve, distancia o personagem da imagem de uma pessoa com uma capacidade sobrehumana de sobrevivência e o coloca sim, como um jovem irresponsável que se vê em uma situação limítrofe, causada por sua insistência quase obsessiva em não depender de ninguém. Ou, como muita gente comentou em fóruns estrangeiros, como diabos um cara pode sair para um lugar inóspito sem avisar família e amigos e sem ter como se comunicar com os outros? É essa revisão de vida e atitudes que torna 127 Horas um filme mais interessante que muitos da linha “baseado em fatos reais”. Em momento algum, Aron culpa a ninguém, a não ser ele mesmo, pelo ocorrido. E é com essa experiência que ele vai se tornar um homem diferente (para se ter uma idéia, o Aron real deu uma palestra no Fórum Econômico Mundial em 2007 chamada “ele não perdeu uma mão e sim, ganhou sua vida de volta”).

Aron Ralston participou ativamente das filmagens. Não só mostrou seu registro ao diretor e ao ator (e somente a eles), como emprestou sua câmera para ser usada por Franco nas filmagens. Em uma coletiva, o aventureiro quebrou, chorou muito e disse que o filme está mais próximo de um documentário do que ficção. Hoje casado e com um filho, ele não deixou se ser alpinista, mesmo sem um braço (já escalou até o Kilimanjaro) e ganha a vida com palestras. Seu braço foi recuperado pouco tempo depois e foram precisos 13 homens e um macaco hidráulico para erguer a rocha em questão. Ralston voltou ao local do acidente em 2004 para jogar as cinzas do membro amputado e na pedra ainda aparecia a mensagem que ele escreveu nos dias de sua luta: “Boa Sorte”.


Vivendo situações extremas no Oscar de Melhor Filme

Nada de Novo no Front (1930): classicão mostrando a desilusão e como o campo de batalha destrói a alma de um soldado alemão na I Grande Guerra

Rebecca (1940): grande filme de Alfred Hitchcock, mostrando a pressão psicológica em cima de uma mulher ingênua que se casa com um viúvo sem saber que a ex-esposa ainda vive no coração do marido e dos empregados

O Estranho no Ninho (1975): Jack Nicholson dá um show como um rebelde preso em um hospital psiquiátrico dominado por uma enfermeira ditatorial

O Franco Atirador (1978): a vida de três amigos depois dos horrores vividos durante a Guerra do Vietnã. É engraçado notar que, anos depois, o diretor confessou que as cenas de roleta russa foram inventadas e que não há registro dessa prática nos campos de prisioneiros vietcongues.

Guerra ao Terror (2008): a rotina de um grupo de  desarme de minas durante uma operação no Iraque quando um novo sargento assume a tropa.

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