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As "pulseirinhas do sexo" chegaram ao Brasil no ano passado já carregadas de uma aura sexual devido a alguns eventos ocorridos na Inglaterra. Feitas de silicone, viraram parte de uma brincadeira infame que consistia em tentar arrebentar a pulseira de outra pessoa em troca de um favor sexual, dependendo da cor. De beijo a transas, passando por exposição de peitos ou pênis e sexo oral, a coisa explodiu quando uma adolescente de 13 anos de idade, em Londrina (PR), sofreu um estupro atribuído ao uso da pulseirinha.
O escândalo levou escolas e prefeituras a proibirem seu uso e obviamente deixou muitos pais de cabelo em pé. Conversamos com Sandra Vasques, psicóloga e terapeuta sexual do Instituto Kaplan, uma organização não-governamental que estuda a sexualidade humana e trabalha com adolescentes em escolas e entidades para tentar entender como pais e educadores devem lidar com essa situação e, principalmente, proteger seus filhos. O segredo está no diálogo franco, diz ela:
Terra: A "pulseirinha do sexo" é causa ou consequência do contato do jovem com sexo e da erotização da cultura?
Sandra Vasques: A pulseirinha é mais um dos canais de erotização entre os que já existem direcionados para as crianças. Tivemos aquela antiga música da boquinha da garrafa, por exemplo, onde os pais, inocentemente, estimulavam a criança a dançar, além do namoro de crianças na TV, uso de maquiagem e roupas sensuais, desenhos erotizados.
Enfim, são situações que nossa sociedade vem criando para estimular a criança a olhar para o sexo e a viver esse sexo. Só que a criança continua no passo dela. Ela assimila tudo isso que a sociedade empurra em sua direção, mas vai fazer isso do jeito dela.
E qual é esse jeito de a criança compreender tudo isso?
Dando um exemplo, a mãe estimula uma menina a usar uma sainha curta ou maquiagem para parecer mais velha, e a menina vai obedecer porque sabe que isso a valoriza frente aos pais. Todos nós queremos ser amados e valorizados pela sociedade. Faz parte da construção da nossa autoestima. Só que a criança quer chamar a atenção, mas não quer se mostrar como mulher que quer fazer sexo. Ela não vai deixar de brincar porque ela está se vestindo daquela maneira.
No caso das pulseirinhas, muitas foram compradas pelas mães ou junto com as mães porque aquilo fazia parte de se enfeitar, de ser colorida ou ter algo para trocar com as amigas, e não porque havia um código atrelado a sexo nelas.
A conotação sexual já não estava atrelada às pulseirinhas quando chegou aqui? Porque o escândalo em cima de seu significado começou na Inglaterra anos atrás, certo?
Aqui no Brasil, essa conotação só chegou ao público no final do ano passado, então, na realidade, essa moda demorou a pegar no Brasil e muitos pais se surpreenderam com essa notícia. E muitos pais que antes permitiam que suas filhas usassem as pulseirinhas agora não permitem mais. E essa é a grande discussão: deve-se permitir ou não?
E mais ainda depois de Londrina, onde a menina teria sido violentada por causa da pulseirinha, não é?
Só que aí tem que de pensar em quantas mulheres já não foram estupradas porque o cara justificou que ela provocou porque estava de minissaia. A culpa não é da pulseirinha, mas ela é uma justificativa para pessoas que se permitem invadir a liberdade alheia, violar a autonomia e o direito do outro de não viver situações sexuais. É o caso de pessoas que dizem "ela está pedindo", porque está de calça justa, de miniblusa ou andando sozinha na rua tarde da noite.
A exposição dos adolescentes em redes sociais como Orkut, onde as próprias meninas se mostram em fotos sensuais ou comentando abertamente de sua vida sexual, não acaba dando margem para esse tipo de coisa?
Sim, veja o caso do Twitter, onde as pessoas colocam a todo o momento o que pensam, e se não estiverem lá não fazem parte do mundo. Acontece que a exposição não pode dar o direito ao outro de achar que ele pode fazer o que quiser. E aí vem a questão da educação e da cultura.
As pessoas estão se tornando muito individualistas, brigando pelo seu espaço e preservando seu ganho pessoal e isso traz uma solidão muito grande e, a meu ver, as pessoas buscam sair dessa solidão dando um jeito de se valorizar. Nos últimos 30 anos, o sexo se tornou uma matéria de valorização muito grande. A menina se mostrar mais sexy está sendo a moeda necessária para ela encantar.
E ainda por cima tem os exemplos vindos da televisão como as BBB'S, não é?
Sim, as modelos e as BBB¿s que aí vão tiram a roupa, ganham dinheiro, saem com homens interessantes. Parece que ter um corpo que é o máximo e transar gostoso é o caminho para sua felicidade.
E nesse cenário todo como fica a posição dos pais?
Os pais não podem mais ignorar que a sexualidade está aí e têm de fazer parte da educação. Só que não é simplesmente falar de sexo para a criança. Outra coisa que é mais importante que isso é ter tempo para estar próximo ao seu filho, porque hoje os pais têm de trabalhar muito ou estão envolvidos em outras atividades e acabam se distanciando das crianças.
O filho precisa perceber que os pais se importam com ele, que ele é especial, e nesse contexto os pais passam os preceitos éticos e morais da família - não confunda com moralismo - mostrando à criança que eles desejam que seus filhos tenham liberdade, autonomia e responsabilidade sobre si mesmos.
O primeiro passo é escutar o filho?
Os pais têm de conversar e se importar com o que os filhos fazem. Assim, voltando ao caso das pulseirinhas, na hora que eles falam que é melhor não usá-las porque muitas pessoas estão se aproveitando do fato de uma menina estar com a pulseira para avançar em cima, a filha precisa escutar isso não como uma ordem que tem de ser seguida por causa de uma hierarquia familiar e, sim, porque está sendo transmitida uma preocupação real e legítima com ela.
Se essa moda está provocando uma situação de excessos por parte de gente que não respeita limites, a criança tem de ser protegida, e o pai ou a mãe devem colocar limites aceitáveis. Exemplo: pedir para que não seja usada na escola e, sim, quando a criança estiver em sua companhia, numa festinha, onde eles estejam por perto. E mais, é preciso explicar a mensagem que está sendo atribuída às pulseirinhas, por mais que elas deixem o braço mais bonito.
No caso dos adolescentes, aqueles acima de 12 ou 13 anos, os pais precisam dialogar ainda mais porque o jovem está formando sua personalidade, que é um amálgama entre os valores familiares e os do grupo no qual ele pertence. O pai e a mãe podem, por exemplo, expressar sua preocupação sobre a pulseirinha e perguntar "como isso está lá na sua escola? Tem acontecido alguma coisa? Se acontecer como você acha que lidaria com a situação?". Isso é fazer o jovem pensar e não dar ordens e conselhos impostos. O melhor jeito de se conversar com um filho é perguntando. Até para poder saber como está a situação, sem passar a ideia que se controlando sua vida.
Proibir o uso simplesmente não é eficaz?
Não, os pais podem proibir, mas só isso não basta. A criança não sabe se defender, então tem de fazer com que ela saiba que é uma questão de segurança. Para o adolescente, a meu ver, a proibição é muito complicada e o melhor é um papo mais profundo para que ele possa avaliar essa situação.
E não só isso, a escola também tem de conversar. O próprio Instituto Kaplan, do qual faço parte, tem essa preocupação há muito tempo, oferecendo aos pais e educadores uma orientação de como conversar com crianças e adolescentes. De como instruir a criança sobre sexo desde pequena, lembrando que em cada idade isso exige um tipo de conversa.
Isso ajuda também a lidar com a pressão dos colegas na escola?
Veja bem, os pais deixam a criança ver novelas com cenas de sexo e a o filho não vai perguntar nada porque "não dá ibope" perguntar sobre isso em casa. Mas ele fica curioso e vai comentar com os colegas e tirar as conclusões, geralmente erradas, deles. Mesmo que você não permita esse acesso, na escola eles vão comentar e ele vai ficar sabendo de tudo.
Sexo não é uma coisa ruim, mas exige maturidade. Sexo é um carinho que traz consequência e você tem de estar preparado para ele. Lembre-se que atualmente os meninos e as meninas estão sendo levados a acreditar que quanto antes fizerem sexo, melhor, e isso está levando a uma queda na idade média da primeira relação sexual, o que é muito preocupante.
Pela minha experiência, quanto mais proximidade e diálogo houver entre pais e filhos, diálogo esse que não passe a ideia de vigilância e monitoramento, mais tarde o jovem inicia sua vida sexual, porque entende que exige uma preparação maior para se ter sexo e um conhecimento grande de como lidar com o outro. E ainda passa pelas etapas normais do relacionamento como se conhecer, depois se interessar pelo outro, ficar, ter namoricos e assim por diante, até uma hora chegar ao sexo com maturidade.
O Instituto Kaplan promoverá nos dias 23 e 24 de abril, em São Paulo, o curso "Sexo também é coisa de criança", para ajudar a entender a sexualidade cada vez mais precoce e responder qualquer questão de maneira adequada e conforme o entendimento da criança. Para maiores informações: (11) 5092-5854.
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