Maior shakespereano do cinema, Laurence Olivier morreu há 20 anos

Publicado no Terra em julho de 2009
Link

Se as obras de William Shakespeare sobreviveram por séculos, foi Sir Laurence Olivier que as colocou definitivamente nas telonas do mundo todo. Nascido em 1907 no condado de Dorking em Surrey na Inglaterra, era filho de um rigoroso pastor anglicano que, com a perda da esposa e a ida do filho mais velho para a Índia, decidiu que Olivier iria estudar teatro. Depois de algumas fracassadas experiências em teatro escolar, estudou no Central School of Dramatic Art da Universidade de Londres e juntou-se à The Birmingham Repertory Company, onde, em menos de dois anos, já atuava nos papéis principais de peças como Hamlet e MacBeth.

Em 1930, casou-se com uma jovem atriz, Jill Esmond, com que teve um filho e um matrimônio infeliz que durou 10 anos. Sua carreira começou a despontar mesmo naquele ano com a obra de Noel Coward, Private Lives. Em 1935, começou sua competição pessoal com o também brilhante ator John Gielgud, já que os dois alternavam os personagens de Romeu e Mercúrio em uma produção londrina de Romeu & Julieta e este último recebia melhores críticas que Olivier. Convidado a fazer parte do célebre Old Vic Theater em 1937 como principal ator da companhia, alternou fracassos em suas performances de MacBeth e Hamlet e sucessos como Henrique V, mas acabou no gosto do público e se tornou um dos maiores intérpretes teatrais de Shakespeare daquela temporada.

Graças à sua reputação, foi convidado em 1936 para uma adaptação cinematográfica de Como Gostais, mas odiou o resultado final e dizia a todos que Shakespeare não combinava com cinema. Neste mesmo ano, viu Vivien Leigh pela primeira vez na peça Mask of Virtue e desenvolveu uma amizade muito próxima com a atriz . Depois de interpretarem um casal no filme Fire Over England, a amizade acabou se tornando um quente affair e os dois se tornaram amantes.

A fama de Olivier cruzou o Atlântico e Hollywood o convidou para estrear no papel de Heathcliff em O Morro dos Ventos Uivantes em 1939. A arrogância do inglês nas filmagens e sua constante agressividade com a atriz Merle Oberon quase o fizeram ser dispensado da produção, mas uma bronca homérica do produtor Samuel Goldwin o fez rever suas atitudes e Laurence mudou radicalmente sua postura, conseguindo um sucesso imediato e uma indicação para o Oscar de Melhor Ator. Sua amante, Vivien Leigh, acabou levando a estatueta por E o Vento Levou e os dois resolveram se casar, mas não antes de enfrentarem uma escandalosa negativa de seus respectivos cônjuges, que veementemente se recusavam a divorciar. No final, casaram-se em 1940 e, nesse mesmo ano, Olivier emplaca mais dois grandes sucessos com Rebeca, A Mulher Inesquecível de Hitchcock e Orgulho e Preconceito.

Com o advento da Segunda Guerra, o ator decidiu se juntar à Força Aérea Britânica, mas seus contratos o impediam de se alistar efetivamente. Mesmo assim, tomou aulas de vôo e juntou-se ao esforço de guerra conseguindo uma patente de tenente, mas nunca foi chamado à ação. Em 1944 funda um novo Old Vic Theater com seu colega Ralph Richardson e leva às telas Henrique V de Shakespeare, considerado por muitos como uma obra patriótica e realizada para o esforço de guerra, onde o rei inglês inflama um exército de maltrapilhos contra o poderoso estado francês e vence. Em 2007, o livro Lord Larry: The Secret Life of Laurence Olivier de Michael Munn, cogitou que o ator agiu como espião inglês nos EUA, a mando de Churchill, mas mesmo seus amigos mais próximos, como David Niven, questionaram a teoria.

Com o fim do conflito mundial, feito Cavaleiro do Império Britãnico em 1947, Olivier e Vivien Leigh passaram a se dedicar basicamente ao Old Vic, apresentando peças tanto na Inglaterra como na Austrália. Foi a partir daí que a atriz começou a apresentar traços de comportamento depressivos e esquizofrênicos, chegando a se recusar a subir nos palcos e sendo substituída nas peças constantemente. O casal se divorciou em 1960, depois da várias escapadas dos dois lados e Olivier casou-se com a atriz Joan Plowright, com quem teve três filhos, mas carregou uma culpa em relação à sua segunda esposa por toda a vida.

Além de Henrique V, Olivier adaptou para o cinema mais duas grandes obras do bardo inglês, Hamlet em 1948 e Ricardo III em 1955. No caso da primeira obra, foi muito criticado pelos puristas já que havia uma imposição de que o filme não ultrapassasse 153 minutos, o que levou a um corte de metade da obra original. Apesar disso levou o Oscar de Melhor Filme e Melhor ator pela Academia Hollywoodiana. O segundo filme foi um sucesso de crítica e um grande fracasso de bilheteria, já que foi transmitido pela rede de TV NBC ao mesmo tempo em que estreava nos cinemas.

Em 1963, Olivier se tornou-se um dos fundadores do Royal National Theater em Londres e em seus 10 anos como diretor da instituição, trabalhou em doze peças, dirigindo nove. Foi no seu período de liderança que grandes nomes como Michael Gambon (o Dumbledore de Harry Potter), Maggie Smith, Alan Bates (de Zorba, O Grego) e Anthony Hopkins despontaram para a fama, mas seu gênio irascível impediam de outros colegas de renome como Gielgud e Richardson de participarem das produções.

Na década de 70, Olivier passou a se dedicar mais intensamente ao cinema como forma de ganhar dinheiro e garantir o futuro de seus familiares, estreando bons filmes como Jogo Mortal (com Michael Caine) de 1972, Maratona da Morte (com Dustin Hoffman) de 1976 e Os Meninos do Brasil (com Gregory Peck) em 1978, mas não dispensava papéis pequenos em produções duvidosas para poder receber o contra-cheque.

Seus anos finais foram marcados por uma sucessão de doenças (como câncer e dermatomiose) e por uma luta incrível para se manter atuante. Sofrendo de amnésia, causou furor na cerimônia do Oscar de 1984, quando ao apresentar o prêmio de melhor filme, simplesmente subiu ao palco e pronunciou "Amadeus", esquecendo-se de ler o nome dos concorrentes. Sua última performance foi aos 81 anos, como um ex-combatente preso a uma cadeira de rodas no filme War Requiem de 1989. Ele faleceu em 11 de julho daquele ano, de falência renal. 15 anos depois de sua morte, Larry como insistia em ser chamado, ainda apareceu nas telas, graças aos efeitos digitais, como o vilão de Capitão Sky e o Mundo do Amanhã.