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Existem filmes que envelhecem, que ficam datados, que parecem ter graça e sentido apenas em uma época em particular. Filmes que ganham fama por um período para se transformarem em curiosidades depois de um tempo. E existem outros que tem uma força, uma inventividade e um ineditismo, que impressiona mesmo décadas depois de seu lançamento. Em 2011, celebra-se os 80 anos do primeiro serial killer do cinema falado e de um daqueles clássicos de deixar qualquer um boquiaberto ainda hoje, M – O Vampiro de Düsseldorf, dirigido pelo genial Fritz Lang.
Lang (que não se chamava Fritz e sim Friedrich Christian) era um diretor tremendamente fracassado em 1931. Seus dois filmes anteriores, Metropolis e A Mulher na Lua, haviam custado muito dinheiro e foram muito mal em bilheteria (só seriam redescobertos décadas depois e tornados obrigatórios pelos cinéfilos). Quase desistindo da carreira cinematográfica, o diretor – incentivado por um amigo – resolveu levar às telas, em seu primeiro filme falado, a história de um serial killer. Pior ainda, um cara que assassinava crianças. Só que, apesar de ser a primeira vez que esse assunto aparece nas telonas, Lang o contou de uma maneira que ninguém esperava.
Em uma cidade alemã (só aqui no Brasil chamou-se de Düsseldorf, porque foi baseado em um caso real desta localidade), oito crianças são assassinadas e a polícia está em polvorosa. Com um verdadeiro exército de fardados nas ruas, os assaltantes, trapaceiros e prostitutas não podem mais agir e assim, os dois lados da lei, polícia e bandido, partem para – cada um a seu modo – tentar prender o assassino.
Nós só vemos um dos crimes e de uma maneira até poética. A mãe prepara o almoço para sua filhinha que está para voltar da escola. Ela, brincando na rua com uma bolinha, é abordada por um estranho (só vemos sua sombra – veja na foto acima), que assobia o tempo todo uma melodia da obra clássica “In the Hall Of The Mountain King” de Grieg . O homem compra um balão para a menina, enquanto a mãe já está histérica porque a garota não chega. De repente, em cortes rápidos, vemos cômodos vazios, a bolinha rolando na grama, o balão preso a fios de postes e um prato de comida esfriando. Ou seja, o matador fez mais uma de suas vítimas.
O monstro em si era interpretado pelo húngaro László Löwenstein, mais conhecido como Peter Lorre. O baixinho de voz suave e a arranhada, havia feito meia dúzia de comédias, antes de ser chamado para ser personagem principal do filme. A cena onde confronta os bandidos que querem julgá-lo e alega que seus atos são incontroláveis, enquanto os dos criminosos são por escolha, mostra a potência de sua interpretação e como ele trabalhava a expressão corporal, mostrando dor, arrependimento e desespero com uma naturalidade tremenda. O filme ainda tinha o indefectível Comissário Lohmann, o tira de homicídios que consegue descobrir a identidade do assassino e tem que impedir que ele seja executado pelos bandidos. O personagem fez tanto sucesso que voltou depois em duas versões de O Testamento do Dr. Mabuse, ambas de Lang.
M é um grande thriller psicológico. É também um clássico do humor negro. Os bandidos, por exemplo, tem seus sindicatos diversos (até mesmo o dos trapaceadores em jogos de cartas) e um dos representantes sugere que procurem a imprensa para anunciar que eles, apesar de foras-da-lei, condenam os atos do serial killer. A história é também uma crítica velada ao clima soturno e pesado que a Alemanha vivia, entre a falência causada pela I Guerra e o começo da ascensão do nazismo. Apesar de Goebbels, o grande chefe da propaganda nazista, ter gostado do filme, ele foi banido em 1934 e redescoberto somente em 1966.
Lorre não viu o sucesso da história na Alemanha. Judeu, fugiu para a Inglaterra com medo de Hitler e seus comparsas (dizem que alertado por Goebbels) e depois foi para Hollywood onde apareceu em Casablanca, O Falcão Maltês, 20.000 Léguas Submarinas entre outros ótimos filmes. Lang, meio judeu, se mandou dois anos depois e fez fama nos EUA com Fúria, Os Corruptos, Suplício de uma Alma etc. Ator e diretor nunca mais trabalharam juntos, mesmo porque o segundo fez jus à sua fama de carrasco e fez com que Lorre sofresse muito nas filmagens, inclusive fisicamente.
M foi escolhido em seu país, como o maior e mais importante filme da cinematografia alemã. A revista Premiere o colocou como um dos 25 filmes mais perigosos de todos os tempos e a Empire como um dos 100 Maiores Filmes Não Americanos da história. Lang o considerou sua maior obra e Lorre o odiava já que sua imagem ficou marcada como a do assassino de infantes. Em M, foi usado, pela primeira vez, o recurso do ‘voice over’ (quando a voz da narrativa não faz parte da cena mostrada) e o seu matador em série, o trágico Hans Beckert, se tornou o bisavô do John Doe de Seven, de Hannibal Lecter de O Silêncio dos Inocentes, do Patrick Bateman de Psicopata Americano e de tantos outros que nos apavoram (e encantam) até hoje.
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