quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Um homem sem nome, mas com muita personalidade

Publicado no blog da revista Alfa em setembro de 2010
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Você nunca sabia de onde ele vinha e por mais que perguntasse, ele não dizia. Era um cara sem passado, que só tinha o futuro garantido porque sabia disparar um revólver como ninguém mais. Não era um poço de virtudes. Algumas vezes trapaceava e não deixava de usar, quando necessário, algum subterfúgio para conseguir o que queria, especialmente se fosse dinheiro. Sua lealdade era apenas a si mesmo. Nunca perdia a calma e tinha uma personalidade tão marcante que até aqueles que eram considerados maus sabiam que para tratar com ele era necessária astúcia, não força. E por mais que tenha ficado conhecido como “O Homem Sem Nome”, ele se chamou Joe, Manco e Blondie. Ele era Clint Eastwood nos filmes dirigidos pelo mestre Sérgio Leone e recentemente relançados em DVD no Box Trilogia do Homem Sem Nome.

Por Um Punhado de Dólares (1964), Por Uns Dólares a Mais (1965) e Três Homens Em Conflito (1966) são as produções italianas de Leone que reinventaram o gênero faroeste, criaram o “western spaguetti” e transformaram Eastwood de ator secundário em um seriado de TV em uma estrela internacional. Seu personagem se tornou um dos tipos masculinos mais invejáveis e inspiradores de todos os tempos. Leone extirpou o romantismo do oeste, antes retratado como um lugar limpo e com pessoas impecavelmente arrumadas e mostrou uma época onde o que imperava mesmo era a sobrevivência. Seu estilo de faroeste “sujo” acabou influenciando até mesmo as futuras produções do gênero nos filmes americanos e abriu as portas para “astros” como Terence Hill, Franco Nero e Giuliano Gemma.

Aos atores era permitido brincar com os papéis e compor seus personagens, tomando o cuidado de evitar estereótipos ultrapassados. Foi o próprio Eastwood que criou o visual do “Homem sem Nome” com o indefectível e surrado jeans escuro, o chapéu quadrado, o poncho (que nunca era lavado entre um filme e outro) e o charuto meio consumido na boca. Eli Wallach, o “feio” Tuco de Três Homens Em Conflito, improvisou totalmente uma sequencia onde monta uma arma usando peças de outras, sendo que na vida real, não entendia nada de armamentos. A cena, porém, passa a idéia de que ele era um expert no assunto. Os extras e atores coadjuvantes não podiam ser considerados padrões de beleza. Eram feios, deformados e davam a impressão de nunca terem visto um banho na vida.

Excetuando os bandidos, geralmente psicóticos, os tipos masculinos dos filmes de Leone eram homens duros, mas com uma violência quase comedida, como se cada bala tivesse um destino certo. E ninguém filmou duelos como ele. Em Por Um Punhado de Dólares temos o famoso confronto com o “colete à prova de balas”, imitado décadas depois em De Volta para o Futuro III. Em Por Uns Dólares a Mais, assistimos a criativa disputa entre Clint Eastwood e Lee Van Cleef, dois caçadores de recompensa rivais, que miram nos chapéus um do outro para provar quem tem melhor pontaria. E, no melhor deles, Três Homens em Conflito, há a belíssima sequencia final começando com Wallach correndo em um cemitério circular e culminando com o chamado “mexican showdown” ou “truel”, o duelo simultâneo entre Eastwood, Van Cleef e Wallach numa longa e lenta cena, mostrando os olhos, as mãos e o suor na testa dos protagonistas até o tiroteio começar.

Além disso, Leone gostava de trabalhar o silêncio e o som ambiente, por isso os diálogos eram escassos, mas não menos geniais. O “Homem sem Nome” de Clint Eastwood, por exemplo, era um cara calado, mas quando abria a boca conseguia ser de um cinismo ímpar, como quando declara sua teoria de que existem dois tipos de homens no mundo, aqueles que têm armas carregadas e aqueles que cavam em Três Homens em Conflito. Já Eli Wallach elimina um cara que ficava explicando porque queria matá-lo e resume a filosofia de Leone: “da próxima vez, atire, não fale”.

Coroando as produções temos a música ao mesmo tempo emocional e cheia de testosterona do mestre Ennio Morricone. Amigo de infância de Leone, o maestro compunha a trilha sonora antes das filmagens começarem, baseando-se somente no que o roteiro descrevia e acabou criando clássicos eternos. Corre por aí uma lenda que diz que quando Leone estava filmando Era Uma Vez na América, Robert De Niro o indagou sobre qual seria a motivação principal de seu personagem. O diretor teria se limitado a responder: “ouça a música que Morricone compôs para ele (o personagem) e você vai descobrir”. E o ator achou o que procurava.

Com tudo isso, Por um Punhado de Dólares, Por uns Dólares a Mais e Três Homens em Conflito são verdadeiros shows de cinematografia e obrigatórios para qualquer homem assistir e aprender. Porque uma coisa eu garanto, você vai desejar ter um dia a personalidade e a frieza do “Homem sem Nome”.

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