domingo, 10 de maio de 2009

Mães amorosas não precisam ser encaradas como possessivas

Publicado no Terra em maio de 2009
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Segundo a psicoterapeuta austríaca, Melanie Klein, o primeiro objeto de amor de todo ser humano é a mãe. Independentemente de ser menino ou menina, a primeira relação que temos é com ela e é ela que vai nos dar amor, nos alimentar e cuidar de nossa existência. A figura materna tem um peso muito grande na vida de todo ser humano e é também a primeira referência da existência de outro ser, até porque a relação mais íntima que temos em nossas vidas é com a mãe, desde o útero. Existem, inclusive, teorias muito plausíveis explicando o vínculo na vida ultra-uterina e até colocando que há uma forma de comunicação entre feto e mãe por meio de sonhos.

Sendo assim, ter um relacionamento próximo com a mãe é saudável e construtivo, mas o exagero na proteção e a submissão de muitos filhos homens à sua progenitora construíram o mito do "filhinho da mamãe". E esse mito é tão forte que até as relações sadias são olhadas com desconfiança por todos (o interessante é que a contrapartida nos ciúmes exagerado na relação pai-filha já é encarada como normal). Desde os mitos gregos como o de Édipo e sua mãe Jocasta até a própria história antiga, onde as esposas dos imperadores faziam das tripas, coração, para conseguir que seu filho sucedesse ao trono, a imagem da mãe dominadora ocupa um espaço todo especial no imaginário coletivo. Existe também a idéia da "mãe judia", arquétipo da máxima proteção e controle que rivaliza com a "mãe italiana" (diz a piada que a única diferença entre elas é que a primeira diz que se o júnior não comer toda a refeição, ela se mata e enquanto a segunda diz que se ele não limpar o prato, ela o mata).

Acontece que na vida real, a mãe, por mais amorosa e ciumenta que possa ser não precisa obrigatoriamente ser vista como possessiva ou neurótica. Sueli Damergian, livre docente do departamento de psicologia social da USP, explica melhor o conceito: "quando se trata de assuntos humanos dois e dois nunca são quatro, então você não pode tomar algo como regra geral, que todas as mães são assim. Não é regra, por exemplo, que as mães são mais protetoras com seus filhos homens do que com as filhas".

É preciso separar então as coisas e não cair no estereótipo. Existem sim os casos extremos de mães que acabam sufocando seus filhos de tal maneira que lhes prejudica a formação. Estas mães possessivas são aquelas que não conseguem se desprender do filho e lhe dar autonomia. Catarina de Médici, que governou a França por meio de seu filho (ela não podia assumir o governo depois da morte de seu marido) é o melhor exemplo disso. "Ela foi a maior déspota materna da história e mostra como uma relação nefasta entre mãe e filho acaba com a primeira não dando a chance de seu rebento mostrar seus talentos. No caso de Catarina, a oportunidade do filho de experimentar ser governante", diz a especialista, que complementa, ¿é essa relação do próprio sentido da palavra posse que se traduz numa postura de que o filho é dela e, portanto, uma extensão de sua pessoa. Eles não têm liberdade de existir e assumir suas identidades e é muito difícil de se libertarem, sem o devido tratamento psicológico.¿

É interessante notar que essas mães mais castradoras são aquelas que se consideram mais maternais que as outras, mas cabe a pergunta: que amor é esse que você não dá o direito do indivíduo de ter vida própria? Segundo Sueli, cria-se a figura da mãe esquizofrenogênicas, ou seja o tipo de relação que tem, causa esquizofrenia nos filhos.

Um legítimo "filhinho da mamãe", aquele que se recusa a ter sua liberdade e vida pessoal desatrelada da figura materna é facilmente reconhecível por ser presunçoso, narcisista, mimado e egoísta, o que causa horror nos outros. A mulher mais revoltada do mundo depois de Heloísa Helena e Luciana Genro, a cantora Alanis Morissette chegou a compor a balada "Narcissus" desancando um desses tipos com singelos versos como "querido filhinho da mamãe, você sabe que você teve sua bunda lambida por sua mãe/ Eu sei que gostou de toda aquela atenção dada por ela/E toda mulher está agraciada com sua presença depois". Ou seja, "filhinhos da mamãe" não agradam em nada. Para as pobres moçoilas que se aventuram em ter algum envolvimento romântico com um, já entram na relação sabendo que será a três, ou a dois e meio, porque ela, a parceira, nunca será encarada na sua totalidade.

Segundo Sueli, ao entrar na fase adulta, muitos deles vão buscar uma mulher tão dominadora quanto a mãe ou quando se dão conta da relação que tiveram ou conseguirem a liberdade, podem odiar sua progenitora e buscar justamente o oposto dela, uma pessoa frágil. Aí vai depender de como cada indivíduo trabalhou e conseguiu elaborar a relação materna. Como o problema inicia-se quando o ser humano é criança e, por conseguinte, dependente, as marcas que ficam impressas no inconsciente são muito fortes e certas atitudes poderão ser repetidas no futuro sem que a pessoa tenha consciência do que está fazendo.

Por outro lado, fugindo do aspecto patológico da coisa, pode existir o filhinho da mamãe no bom sentido, aquele que se sente amado e cuidado e que sabe que tem uma mãe que pode confiar a vida inteira. O grande problema para este é o próprio preconceito social no Brasil, onde o machismo incorporado na cultura, encara o filho amoroso como mais fraco ou dependente da figura materna. "Para o brasileiro, o homem macho tem que ser duro, não só com a mãe, mas com todas as mulheres, senão isso o desonra e o torna afeminado", diz a professora da USP.

Nos tempos atuais o aparecimento da geração canguru ou bumerangue ou também conhecida como "adultescentes", que são justamente os marmanjos (mulheres também se incluem aqui) que ainda vivem com os pais depois dos 30 anos de idade, também passam a impressão de reforçar esse mito do "filhinho da mamãe", mas é, na realidade, reflexo de uma mudança sócio-cultural, reação aos anos 60 e 70, que tiram a obrigatoriedade das pessoas de sair da casa dos pais ao menor indício de liberdade financeira. Mudanças na maneira de educar os filhos com maior diálogo e compreensão, necessidade de um maior investimento em educação formal para uma boa vida profissional (MBA, cursos etc) e até mesmo fatores econômicos, estão levando as pessoas a um tardio abandono da casa dos pais, mas a relação aqui é mais societária que dependente.

Um comentário:

Marcelo Tadeu disse...

Tema difícil de agradar a todos, afinal, somos seres humanos e de livre arbitrio, ou seja, somos complicados em essência... Bem apropriado para o Dia das Mães!!